segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Rondônia e a dialética das queimadas - Por Professor Nazareno

No início deste ano, quando eu ainda escrevia artigos periodicamente para a mídia, um jornal italiano publicou uma reportagem em que afirmava que o Estado de Rondônia, no noroeste do Brasil, era um lugar pouco recomendado para se visitar. As queimadas nas florestas locais tornavam este lugar "um verdadeiro inferno na terra". A publicação ainda informava que não era uma lista oficial, mas sim, uma lista de situações de emergência global e onde vivem populações em condições precárias e com baixíssima qualidade de vida. A chiadeira foi geral. Comentários preconceituosos e xenófobos inundaram os sites locais. Pessoas se dizendo filhos da terra, com arroubos cívicos, nacionalistas e patrióticos, puseram logo em xeque a veracidade da matéria. Infelizmente, se os italianos vierem agora a Porto Velho apenas constatarão o óbvio.



Porém não bastou muito tempo para que as previsões e denúncias contidas naquela matéria, verídicas ou não, fizessem parte da mais absoluta verdade. De nada adianta mandar os incomodados saírem deste Estado. De nada adiantará expulsar os que falam mal daqui. A realidade está aí para qualquer um ver. A fumaceira de dimensões apocalípticas pode inviabilizar o funcionamento deste Estado e de regiões vizinhas. O aeroporto local é fechado todo dia, as aulas estão sendo suspensas. Atividades rotineiras são adiadas. Pouco adianta também dizer que o problema não é apenas local. Dizer que o Primeiro Mundo devastou suas florestas em nada vai contribuir para amenizar o nosso problema, o nosso sofrimento. Então, por que só copiamos os maus exemplos deles? A delirante tese de internacionalização da Amazônia pode ganhar força diante disto.


"Quando nosso céu se faz moldura. Para engalanar a natureza. Azul, nosso céu é sempre azul. Que Deus o mantenha sem rival. Cristalino sempre puro.E o conserve sempre assim", diz mentirosamente o Hino Céus de Rondônia. Deus, não conserve este céu sempre assim, podemos não suportar por mais muito tempo. Ou então devemos trocar a letra deste hino para a versão que a Banda Odisséia propôs recentemente numa paródia: "Azul, poderia ser azul. Em vez, tudo cinza, tudo igual. Nosso rio só tem mercúrio. Amazônia é capim". Nossos rios, nossas matas, tudo em fim mesmo. Por isso, senhores autoridades responsáveis pelo meio ambiente, peçam demissão de seus cargos, pelo amor de Deus. Os senhores falharam, admitam. Caiam fora. Não há desculpas. Da Ministra do Meio Ambiente aos secretários municipais todos negligenciaram ou não foram competentes para prever o óbvio. Qualquer idiota sabia da existência da estiagem.


A baixa umidade relativa do ar nesta época, fato previsto todos os anos, associada à inoperância e à incompetência do Estado brasileiro que com seus órgãos de defesa da natureza pouco ou nada fazem, a não ser aumentar o empreguismo estatal, e contando com a irresponsabilidade dos grandes pecuaristas e pequenos incendiários urbanos, todos produzem a receita ideal para transformar esta região no verdadeiro inferno na terra. Senhores candidatos, parem de usar o programa eleitoral gratuito como coluna social. Precisamos de propostas concretas e mais sérias para enfrentar este problema que é de todos nós. Um povo que produz bois-bumbás, arraial Flor do Maracujá, carnaval fora de época, passeatas gays, pontes, hidrelétricas e viadutos precisa também se unir para melhorar a sua própria qualidade de vida. Cobremos então soluções de nossas autoridades. Será que perdemos a capacidade de nos indignar?


Nestas horas de agonia, fumaça, poeira e pouco ar puro para se respirar, a população que paga os altos impostos e está sofrendo as conseqüências de mais esta grande catástrofe ambiental na Amazônia devia se mobilizar e perguntar: cadê o Estado brasileiro? Qual o porquê de tanta ineficiência? Cadê a Justiça em suas várias instâncias? Onde estão as Forças Armadas? Por que o Ministério Público parece estar fazendo vistas grossas a toda esta calamidade? Os organismos de defesa do meio ambiente, onde estão? As prefeituras municipais, os governos estaduais, essas ONGS, que dizem tanto defender a natureza? A Polícia Federal estaria apenas preocupada com o roubo de diamantes na reserva Roosevelt e não pode interferir? Qual a função do Corpo de Bombeiros? Por que ninguém faz nada? Por que só parte da mídia e alguns incomodados como eu gritam? Por quê? Será que nos abandonaram?


* O professor Nazareno, com asma, sinusite e rinite alérgica, leciona na escola João Bento da Costa em Porto Velho. (profnazareno@hotmail.com)

domingo, 22 de agosto de 2010

O DRAGÃO DA MALDADE CONTRA O SANTO GUERREIRO

Que a Marina Silva não vai ganhar a eleição para a presidência do Brasil todos nós sabemos, mas daí, até usar de vilania e cegueira para dizer que a Marina não fez nada quando esteve à frente do Ministério do Meio Ambiente, pelo IBAMA e órgãos adjacentes, pelo trabalhador rural, campo e floresta. É no mínimo fechar-se a um mundo em que se pode acreditar como melhor e avançado.

No conto de Borges, O jardim de veredas que se bifurcam, uma das personagens sente martelar o cérebro, pelo medo, desconfiança e todos os pensamentos matizes da guerra. Pensa que se pudesse gritar de onde estava de modo que fosse ouvido na Alemanha. É abatido pela constatação de que a sua voz (a nossa) humana era muito pobre. Como fazê-la chegar aos olhos do Chefe?

Pois bem, de que dispõe uma Marina, senão do corpo? Frágil corpo de mulher. Quanto valerá no Acre uma mulher que até os 16 anos não sabia ler? O que e quem enfrentou para estar onde chegou? Não podem esquecer os bem-nascidos no "sul" do Brasil, ou aí radicados por um qualquer milagre, que já amealharam para si desenvolvimento, educação de qualidade (vide números do ENEM) e de vida, que essa mulher sussurra verdades, justiça, natureza, e que ela é uma das responsáveis por um conjunto de mudanças ocorridas em torno da legislação ambiental, da prática de fiscalização e denúncias de crimes cuja vitima é a biodiversidade. Contudo, o que é a voz humana da Marina Silva contra as investidas do capital? O que é o silvo de um sabiá contra o ronco oleoso de um motosserra? O que é o nado silencioso de um bagre nos rios do país, contra os papéis (ações) movimentados no momento da licitação de uma hidroelétrica? NADA.

Para Max Weber o destino de uma época cultural que provou da "árvore do conhecimento” é ter de saber que podemos falar a respeito do sentido do devir do mundo, não a partir do resultado de uma investigação (tempo de trabalho de um analista no IBAMA), por mais perfeita e acabada que seja, mas a partir de nós próprios que temos de ser capazes de criar esse sentido. Temos de admitir que “cosmovisões” nunca podem ser o resultado de um avanço do conhecimento empírico, e que, portanto, os ideais supremos que o movem com a máxima força possível, existem, em todas as épocas, na forma de uma luta com outros ideais que são, para outras pessoas, tão sagrados como o são para nós os nossos.

Ganhar a eleição para a Marina pode não ser o mais importante. O mais importante é forçar um vento de Iansã sobre o preconceito e o machismo, disfarçados de conhecimento que orientam as mentes privilegiadas desse país injusto e desigual. Em tempo: Antônio das Mortes é um velho matador de cangaceiros. Coronel Horácio, rico proprietário e político demagogo e corrupto, o contrata para se livrar de Coirana, um pobre agitador que se passa por um grande cangaceiro. Coirana lidera um grupo de camponeses místicos, os beatos. Nós nos servimos de Glauber Rocha para forçar a visão de que o justo, no Brasil é quase sempre "confundido" com a figura folclórica, lunática que força o endógeno para se beneficiar. Glauber voscifera suas lentes para dizer que não há esgotamento para a "criatividade crítica" que apenas pretende amesquinhar, apequenar os espaços que se expandem.


Juliete Oliveira
Salgueiro/PE 22 de agosto de 2010

sábado, 21 de agosto de 2010

máquinas obrigatórias de voto

A chamada campanha eleitoral segue no Tocantins o tom uníssono de todo país: candidatos despreparados, que nada sabem do que seja política e que portanto jamais poderão cuidar adequadamente da pólis e dos interesses dos cidadãos. Isso com o agravante de um punhado que burla a lei (especialidade própria e imensamente difundida pelos tais) para se impor candidato. Ex-governadores e ex-parlamentares degenerados, assaltantes da verba pública, dados a toda sorte de bandidagem para fazer fortuna, multiplicar patrimônio, agenciar seus pares e parentes. O cinismo e o sarcasmo generalizado parecem ter se tornado a única alternativa possível diante do caos político a que somos lançados permanentemente. Quanto mais pilantra e indígno o pretendente mais êxito alcança nas famigeradas máquinas obrigatórias de voto. Que equação amalucada esta a que nos submetemos. Quanto mais sofisticado o processo de escolha, pior o resultado? Será este um sistema isento de falhas e fraudes, como se alardeia? As eleições hoje se dão como se o eleitor comprasse pela internet um produto e recebesse em casa outro – de qualidade inferior e ainda mais caro. A sociedade tinha que ter assegurada cada vez mais participação nesse processo e não ser apenas a que aciona um botão ou a que está restrita aos limites operatórios da votação: ser mesário, fiscal, observador etc. É duro saber que o bandido que saqueou seus bens, sua casa, seus direitos e oportunidades está de volta. E que fará tudo de novo impunemente. A lei da ficha limpa parece estar longe de ter posto fim a isso.


ney ferraz paiva, de Palmas, esse deserto, dessa comarca do nada...

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Um Código Florestal Paleontológico

A Sávio Drummond, o falcão peregrino




Ao nobre deputado Aldo Rabelo, recomendo a leitura do livro “Alfabetização Ecológica – A educação das crianças para um mundo sustentável” do físico e filósofo Fritjof Capra. Em que, este, menciona que, para entendermos os princípios organizacionais que os ecossistemas desenvolveram ao longo de bilhões de anos, temos que conhecer os princípios básicos da ecologia – a linguagem da natureza. A estrutura conceitual mais apropriada para se entender a ecologia hoje é a teoria dos sistemas vivos, que continua sendo desenvolvida e cujas raízes incluem a biologia organísmica, a psicologia gestalt, a teoria geral dos sistemas e a teoria da complexidade (ou dinâmica não-linear).

Essa dinâmica não-linear deveria em tempos de discussão calorosa sobre a natureza, orientar todos os que se dispõem sentar-se à mesa de discussão. Por que recomendo a leitura acima ao bom homem? Por que ele, como representante legal da sociedade, demonstrou indícios de que precisa entender melhor a questão, como tantos outros, e não apenas deixa-se levar pelo discurso roto do desenvolvimento. Muito embora não surpreenda tanto assim que essa proposta venha de alguém que nos tempos que correm tenha a má fé de se reclamar o dístico de comunista. Já que do comunismo restou-nos a todos uma vaga lembrança, e esta serve, sobretudo, para indicar um tempo que não quer passar de uma preocupação de biógrafos e que corresponde praticamente apenas a uma espécie de história externa, uma história para uso externo, para ser contada aos outros. As lembranças são imóveis, tanto mais sólidas quanto mais bem especializadas. (Gaston Bachelard, A Poética do Espaço).

Quanto à floresta, está sim, não tem como ser esquecida, relegada a um passado que não nos diz respeito, atada às paixões sem guia que esmorecem e definham na solidão. O homem, caro Senhor, precisa da floresta para gerir seu alter ego, lancemos mão da história, a de todos os homens, inclusive a sua e de seus pares, num breve relato: "I went into the woods because I wanted to live deliberately. I wanted to live deep and suck out all the marrow of life... to put to rout all that was not life; and not, when I came to die, discover that I had not lived." - Henry David Thoreau. "Eu fui à Floresta porque queria viver deliberadamente. Eu queria viver profundamente, e sugar a própria seiva da vida... expurgar tudo o que não fosse vida; e não, ao morrer, descobrir que não havia vivido".

E então Deputado, que dizer diante dessa voz que não cessa, imemorial, astuta, que decifra quem somos? Se o Senhor e os seus não mais a escutam, se certos aliados de última hora podem mudar o coração de um homem, talvez fosse melhor que o Senhor passasse uns dias com o meu amigo Sérgio Tembé na aldeia Tekoraw (aldeia nova), às margens do rio Gurupi – saberá ainda o Senhor os caminhos dos rios, dos bichos e das matas? Lá seria ainda possível (enquanto seu mal fadado código não for posto em prática por grileiros, madeireiros e todos os empreendedores do desastre e da morte da floresta) sua Senhoria resolver anos de ausência de estudo sobre a psicologia gestalt, sobre entomologia, o vôo dos pássaros – para não chamar de ornitologia – lá os índios não tratam por esse nome, mas nem por isso amam menos a vida. E será sempre por isso, Excelência, que eles poderão enumerar quantos motivos houver que fragilizam a vida e a sustentabilidade com a aprovação do pavoroso “novo/velho” Código Florestal, obra de sua lavra, que nada gera de vida, senão de cifras.


Entendo a dificuldade que o pensamento velho tem para se desvencilhar do que lhe é próprio, ainda que aos olhos não seja belo e ao estômago seja azedo, já que este comprometimento com o que passou, é uma antiga lástima que permeia a cultura política a que o Senhor parece se adequar e penso que assim continuará sendo, uma vez que os modelos do passado são ainda tão potentes que a crítica de uma sociedade e seu desejo de mudança perecem diante desses modelos. Mas creia o “novo sempre vem”. E é acreditando no novo, meu bom Senhor, que o poder público deverá se ocupar da conservação e reconhecer o seu Calcanhar de Aquiles, denominado Gestão/Fiscalização, e não instituir topo de morro como área não protegida, já que omissão não evita erosão, não obstrui o fausto mercado da especulação a que o Senhor, por certo ignora que exista e prospere, empurrando os pobres das cidades e do campo direto pro abismo, como recentemente ocorreu em Santa Catariana na zona rural, no coração do Rio de Janeiro, junto a um vasto complexo turístico, em dois ou três estados do Nordeste. E o que se configurou ali, nobre Deputado, não precisa ser especialista para responder. Mas vamos lá. E este eu também recomendo a leitura, para pensar a cidade e a floresta, para desobstruir as conexões com o novo e o belo. Jean Baudrillard em O crime perfeito, (não veja no título uma tentativa de ofensa, meu bom homem, não foi minha intenção, nem do Baudrillard), pois bem, ele tece uma projeção desesperançada para o nosso futuro, e nos pergunta, num certo gracejo ou chiste: Talvez mais tarde existam vestígios fósseis do real como existem das eras geológicas passadas? Um culto clandestino dos objetos reais, venerados como fetiches e que de repente adquirirão um valor mítico? Adaptando para sua proposta de Código Florestal, no mundo de relações que o Senhor ali defende, eu acrescentaria que talvez a floresta venha a ser, a partir desse código só paleontologia. E aí, meu Senhor, por que os saberes não se esgotam no que é velho e seus ranços de dor, penso que um conjunto de atitudes se encontra em processo de mudança, e é fácil perceber o mecanismo de cercar-as-apostas, de fazer prevalecer nas disputas de poder e de ideias, nas correlações de força e nos lances finais dos discursos o que é justo e bom. Que justifique e defenda a vida.

Juliete Oliveira
Palmas, 14 de julho de 2010

terça-feira, 29 de junho de 2010

O sertão vai virar mar



O sertão vai virar mar / Dói no coração / O medo que algum dia / O mar também vire sertão... (Sobradinho, Trio Nordestino). O sociólogo francês, Pierre Bourdieu, escreveu certa vez que a competência de um discurso — sua razão de ser e sua eficácia — não reside simplesmente no seu aspecto linguístico de propriedade e correção, mas, antes: no «lugar» socialmente definido a partir do qual ele é proferido. (Bourdieu, 1982:174). Quem entre nós, não se lembrou dos versos acima, nos últimos dias? Antes de ser um paradoxo – o sertão virar mar – é algo que se verificou, pode acontecer, um mar de lama, um mar de desolação, tristeza e lágrimas de tantos que perderam o pouco que tinham.

E esse discurso? Deve-se fixar onde? O “lugar”, o nordeste brasileiro. Isto impõe a necessidade de se instituir uma crítica histórica, ou seja, uma avaliação das motivações subentendidas nos processos locutórios, que atribuem ao discurso — polissêmico de per se — um sentido unívoco ao longo de um período ou em uma determinada época. A época é essa, pré eleitoral, cibernética, em tempo real. Perguntemos, pois, aos moradores de Palmares e municípios adjacentes que são obrigados a transportar alimentos no lombo do jegue, pela inexistência total de outra possibilidade de transporte, qual o sentido desse tempo? E qual seria o verdadeiro sentido do discurso? A não ser aquele que justifica os últimos acontecimentos pelos meios naturais. Choveu o equivalente a “trocentos” milímetros, o esperado para todo o mês, em algumas horas. Ou ainda, o desmatamento, a ocupação irregular – do minúsculo ao incomensurável

O nordeste teve por algumas décadas um órgão chamado SUDENE / Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – desta nos lembramos –, não pelos resultados alcançados pela instituição, que era responsável por orientar um desenvolvimento dentro de padrões de segurança e bem estar social. Essa instituição esteve atrelada aos principais ministérios: planejamento, ciência e tecnologia, do interior (hoje integração nacional), agricultura, entre outros. Temos no Brasil muitos anos de pesquisa para o desenvolvimento social, para a produção agrícola e pelo menos uns vinte anos de pesquisa para o desenvolvimento sustentável.

Por que ainda, temos que emprestar nossos ouvidos para esse tipo de explicação? Pelo mesmo motivo que temos ainda que suportar propagandas eleitorais, enganosas, promessas arquitetadas nas sombras. Isto impõe também, uma denúncia dos estrategistas, isto é, os especialistas que garantem aos grupos que exercem o poder a eternização do provisório, ou, em outras palavras, a solidez ideológica através da qual estes grupos definem como corretas e normais suas formas de organização, pensando, assim, justificar suas ações práticas.

É o provisório que deve ser sólido, em matéria de discurso, por que fazer algo planejado de fato, duradouro, sustentável, obra dá voto, precisamos construir o país. O desenvolvimento deverá justificar tudo! Por quanto tempo? O tempo até o próximo desastre, porque o tempo muito embora seja um artifício dos gestores públicos, para justificar uma licitação, por exemplo, para o nordestino pode ser o intervalo entre uma safra e outra, uma seca e outra e ainda, entre uma enchente e outra.

Tempo suficiente sabemos, para o planejamento, a construção, o zoneamento, para se afastar os riscos e proteger quem precisa de proteção. Cuidar da polis é um exercício do homem. Marx e Engels em O Dezoito Brumário de Luiz Bonaparte fizeram uma análise coerente desse exercício. A história não faz nada, “não possui uma riqueza imensa”, “não dá combates”, é o homem, o homem real e vivo que faz tudo isso e realiza combates; estejamos seguros de que não é a história que se serve do homem como de um meio para atingir — como se ela fosse um personagem particular — seus próprios fins; ela não é mais do que a atividade do homem que persegue os seus objetivos. (Marx & Engels, apud Fernandes, 1983:48). Pensemos assim do tempo, para que ele cesse de ser mar.




Juliete Oliveira

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Palmas é uma Barrela (cidade de 3ª classe)


O título da peça de Plínio Marcos cai como uma luva na mão dos gestores pelo que vamos vivendo nesta cidade nos últimos anos. Abandonados à própria sorte. Tal o estado das coisas. Azedo, envelhecido, apequenado. Dias e dias que são uma noite de sordidez. O esculacho. Do buraco abismal das ruas às desorbitadas, senão amalucadas, desvairadas decisões do poder público – uma vez que desconectadas com os interesses do cidadão. O sistema de transporte de Palmas é o mais descarado exemplo. Desde o primeiro mês de sua imposição à sociedade de Palmas (não dá pra dizer que uma coisa lastimável como essa foi “implantada”) que vêm recebendo críticas desfavoráveis e muito corretas dos usuários. É deveras preocupante que um prestador de serviço público de uma cidade inteira, atuando sozinho no mercado, avilte o interesse maior de ir-e-vir de toda uma população. Pouco importando se esse direito está assegurado na Constituição. Quanta impunidade! O usuário do transporte público hoje em Palmas - apertado feito animal - é um marginalizado social. A ele ônibus velhos e empoeirados, desconfortáveis, fora dos horários, lotados nos horários concorridos, demorados a não mais poder nos demais períodos. E as tais estações? Um tormento total, um purgatório. O sistema apenas favorece o empresário. Diminui custo-aumenta lucratividade. O motorista que acula a função de cobrador recebe irrisórios R$ 16,27 (dezesseis reai e vinte sete centavos)! Ainda assim esta semana a tarifa subiu para (pasmem!) R$ 2,20 (dois reais e vinte centavos). Em todo esse desmando inconcebível numa democracia vai impresso a verdadeira face dos políticos da cidade. Que se sentem acima da lei, senão os donos dela. Não é preciso estar possuído por nenhum espírito pra se fazer previsões catastróficas acerca do futuro da cidade. Que acaba de completar 21 anos, mas já tão envelhecida. Nos costumes, hábitos e culturas. Acionados e inspirados, todos, pela indiferença indisfarçável dos políticos. Sob o repetitivo refrão nos palácios “to nem aí, to nem aí...”. O caos se estabelecendo irrefreável: ambiental, social, político, ético, cultural. No filme Os Simpsons, eles se encontram a ponto de fugir para o Alasca. E nós, que temos a fazer? Fugir? Sim, eu vos digo, o tolo vivente, fugir sempre!




ney ferraz paiva
imagem: O Vagão da Terceira Classe, de Honoré Daumier (1808-1879)
Os tempos não mudaram, nem os políticos!

terça-feira, 15 de junho de 2010

A desgraçada profissão de economista, por James Galbraith




Sr. Presidente, Srs. Membros do Subcomité, como antigo membro da assessoria do Congresso é um prazer submeter esta declaração à vossa consideração.


Escrevo-lhes vindo de uma profissão desgraçada. A teoria económica, como é amplamente ensinada desde a década de 1980, fracassou miseravelmente no entendimento das forças que estão por trás da crise financeira. Conceitos que incluem "expectativas racionais", "disciplina de mercado" e a "hipótese dos mercados eficientes" levaram economistas a argumentar que a especulação estabilizaria preços, que os vendedores actuariam para proteger as suas reputações, que se podia confiar no caveat emptor [1] e que portanto a fraude generalizada não podia ocorrer. Nem todos os economistas acreditaram nisto – mas a maior parte sim.

Consequentemente, o estudo da fraude financeira recebeu pouca atenção. Não existe praticamente nenhum instituto de investigação; a colaboração entre economistas e criminólogos é rara; nos principais departamentos há poucos especialistas e muito poucos estudantes. Os economistas minimizaram o papel da fraude e todas as crises que examinaram, incluindo a derrocada das Caixas Económicas (Savings & Loans), a transição russa, o colapso asiático e a bolha das dot.com. Eles continuam a minimizar até hoje. Numa conferência patrocinada pelo Levy Economics Instituto, em Nova York, a 17 de Abril, o mais perto que um antigo sub-secretário do Tesouro, Peter Fischer, chegou a esta questão foi utilizar a palavra "travessuras" (naughtiness"). Isto foi no dia em que a Securities and Exchange Comission (SEC) acusou a Goldman Sachs de fraude.

Há excepções. Um famoso artigo de 1993 intitulado "Saqueio: bancarrota para o lucro" ("Looting: Bankruptcy for Profit"), de George Akerlof e Paul Romer, baseava-se excepcionalmente na experiência de reguladores que entendiam de fraude. O criminólogo-economista William K. Black, da Universidade de Missouri-Kansas City é o nosso principal analista sistemático do relacionamento entre crime financeiro e crise financeira. Black destaca que a fraude contabilística é uma coisa segura quando você pode controlar a instituição em que entrou: "o melhor meio de roubar um banco é possuí-lo". A experiência da crise das Caixas Económicas foi de empresas capturadas com o propósito explícito de depená-las, de sangrá-las até secarem. Isto foi estabelecido em tribunal: havia mais de um milhar de condenações por crime na sequência daquela derrocada. Outras crónicas úteis da moderna fraude financeira incluem "Cova de ladrões" (Den of Thieves) , de James Stewart, sobre a era Boesky-Milken, e "Conspiração de loucos" (Conspiracy of Fools) , de Kurt Eichenwald, sobre o escândalo Enron. Mas subsiste um vasto fosso entre esta história e a análise formal.

A análise formal conta-nos que o controle de fraudes segue certos padrões. Elas crescem rapidamente, relatando alta lucratividade, certificada por firmas de contabilidade de topo. Elas pagam excessivamente bem. Ao mesmo tempo, elas reduzem padrões radicalmente, construindo novos negócios em mercados anteriormente considerados demasiado arriscados para negócios honestos. No sector financeiro, isto assume a forma de descontraídas – não, estripadas – subscrições, combinadas com a capacidade de passar o último tostão para o louco maior. Na Califórnia, na década de 1980, Charles Keating percebeu que um alvará de Caixa Económica era uma "licença para roubar". Nos anos 2000, a origem das hipotecas sub-prime foi em grande parte a mesma coisa. Dada uma licença para roubar, os ladrões começam a trabalhar. E porque o seu desempenho parece tão bom, eles rapidamente vêm a dominar os seus mercados; os maus jogadores expulsam os bons.

A complexidade do sector hipotecário-financeiro antes da crise destaca uma outra marca característica da fraude. No sistema desenvolvido, os documentos originais da hipoteca jazem enterrados – quando permanecem – nos registos dos originadores do empréstimo, muitos deles extintos desde então ou tomados por terceiros. Aqueles registos, se examinados, revelariam a extensão da documentação em falta, das práticas abusivas e da fraude. Até agora, temos apenas uma evidência muito limitada sobre isto, notavelmente um estudo de 2007 da Fitch Ratings sobre uma amostra muito pequena de RMBS [2] altamente taxadas, as quais descobrem "fraude, abuso ou documentação omissa em virtualmente todo ficheiro". Esforços feitos um ano atrás pelo deputado Doggett para persuadir o secretário Geithner a examinar e informar a fundo a extensão da fraude nos registos subjacentes às hipotecas foram totalmente torneados.

Quando hipotecas sub-primes foram empacotadas e titularizadas, as agências de classificação deixaram de examinar a qualidade do empréstimo subjacente. Ao invés disso substituíram [o exame] por modelos estatísticos, a fim de gerar classificações que fariam as RMBS resultantes aceitáveis para os investidores.

Quando alguém assume que os preços sempre subirão, segue-se que um empréstimo titularizado pelos activos sempre pode ser refinanciado; portanto a condição real do tomador do empréstimo não importa. Aquela projecção é, naturalmente, apenas tão boa como a suposição subjacente, mas neste mercado concebido de forma perversa aqueles que pagam pelas classificações não têm razões para se importarem com a qualidade das suposições. Enquanto isso, agora os originadores de hipotecas têm uma fórmula para oferecer empréstimos aos piores tomadores que pudessem encontrar, seguros de que neste Lake Wobegon [3] invertido nenhuma criança seria considerada abaixo da média embora todas estivessem. A qualidade do crédito entrou em colapso porque o sistema foi concebido para ir para o colapso.

Um terceiro elemento na mixórdia tóxica foi um simulacro de "seguro", proporcionado pelo mercado em credit default swaps. Estes são instrumentos do juízo final num sentido preciso: eles geram fluxo de caixa para o emissor até que ocorra o evento de crédito. Se o evento for suficientemente grande, o emissor então falha, ponto em que o governo enfrenta chantagem: ele deve intervir ou o sistema entrará em colapso. Os CDS propagam as consequências de uma baixa nos preços das habitações por todo o sector financeiro, por todo o globo. Eles também proporcionam os meios para provocar curto-circuito no mercado de títulos apoiados por hipotecas residenciais, de modo que os maiores jogadores poderiam virar as costas e apostar contra os instrumentos que haviam previamente estado a vender, pouco antes de o castelo cartas entrar em crash.

Nos tempos actuais a teoria económica das finanças é cega a tudo isto. Ela necessariamente trata acções, títulos, opções, derivativos e assim por diante como títulos cujas propriedades podem ser aceites amplamente pelo seu valor facial e quantificadas em termos de retorno e de risco. Aquela quantificação permite o cálculo do preço, utilizando fórmulas padrão. Mas tudo na fórmula depende de os instrumentos serem o que são representados para ser. Pois se não o forem, então que fórmula poderia possivelmente aplicar-se?

Uma tendência mais antiga da teoria económica institucional entendia que um título é um contrato legal. Ele só podia ser tão bom quanto o sistema legal que estava atrás dele. Alguma fraude é inevitável, mas num sistema em funcionamento ela deve ser rara. Ela deve ser considerada – e correctamente – um problema menor. Se a fraude – ou mesmo a percepção da fraude – chega a dominar o sistema, então não há fundamento para um mercado de títulos. Eles tornam-se lixo. E mais profundamente, do mesmo modo as instituições responsáveis por criá-los, classificá-los e vendê-los. Incluindo, enquanto falhar em responder com a força apropriada, o próprio sistema legal.

Fraudes controladas sempre falham no fim. Mas o fracasso da firma não significa que a fraude tenha falhado: os perpetradores muitas vezes fogem ricos. Em algum momento, isto exige subverter, subornar ou vencer a lei. É aqui que o crime e os políticos se interceptam. No seu cerne, a crise financeira foi uma ruptura da regra da lei na América.

Perguntem-se a si próprios: será possível para originadores de hipotecas, agências de classificação, subscritores, seguradores e agências de supervisão NÃO terem sabido que o sistema financeiro de habitação tornara-se infestado de fraudes? Todo indicador estatístico de prática fraudulenta – crescimento e lucratividade – sugere o contrário. Até agora todo exame dos registos sugere o contrário. A própria linguagem em uso: "empréstimos mentirosos", "empréstimos ninja", "empréstimos neutrões" e "lixo tóxico" diz-lhe que as pessoas sabiam. Também ouvi a expressão "IBG,YBG", o significado desse código era: "Eu darei o fora, você dará o fora" ("I'll be gone, you'll be gone").

Se dúvidas subsistissem, a investigação dentro das comunicações internas das firmas e agências em causa pode esclarecê-las. Os emails são reveladores. O governo já possui pegadas documentais críticas – aquelas da AIG, Fannie Mae de Freddie Mac, o Departamento do Tesouro e a Reserva Federal. Esses documentos deveriam ser investigados, completamente, pela autoridade competente e também divulgados, quando apropriado, ao público. Por exemplo: será que intencionalmente a AIG emitiu CDSs contra instrumentos que a Goldman havia concebido em nome do sr. John Paulson para fracassar? Se assim for, por que? Ou outra vez: Será que a Fannie Mae e o Freddie Mac apreciaram a fraca qualidade das RMBSs que estavam a adquirir? Será que assim o fizeram sob a pressão do sr. Henry Paulson? Se assim for, será que o secretário Paulson sabia? E se o fez, por que ele actuou assim? Num documento recente, Thomas Ferguson e Robert Johnson argumentam que a "Opção Paulson" foi destinada a adiar uma crise inevitável para depois das eleições. Será que os registos internos confirmam esta visão?

Vamos supor que a investigação que estão prestes a começar confirme a existência de fraude generalizada, envolvendo milhões de hipotecas, milhares de avaliadores profissionais, subscritores, analistas e os executivos das companhias nas quais eles trabalhavam, bem como responsáveis públicos que a isso assistiam fechando os olhos. O que será a resposta apropriada?

Alguns parecem acreditar que a "confiança nos bancos" pode ser reconstruída por uma nova rodada de boas notícias económicas, pela ascensão dos preços das acções, pelas novas promessas de altos responsáveis – e pelo não olhar demasiado atentamente para a evidência subjacente de fraude, abuso, engano e burla. Ao prosseguirem vossas investigações, minarão, e acredito que possam destruir, tal ilusão.

Mas você tem de actuar. A alternativa verdadeira é uma fracasso a estende-se ao longo to tempo do sistema económico ao político. Da mesma forma como muitos poucos previram a crise financeira, pode ser que muito poucos estejam hoje a falar francamente acerca de onde um fracasso em tratar das consequências pode levar.

Nesta situação, deixem-me sugerir que o país enfrenta uma ameaça existencial. Ou o sistema legal deve fazê-lo funcionar. Ou o sistema de mercado não pode ser restaurado. Deve haver uma limpeza completa, transparente, efectiva e radical do sector financeiro e também daqueles responsáveis públicos que traíram a confiança pública. Aos financeiros deve-se fazê-los sentir, nos seus ossos, o poder da lei. E o público, o qual vive de acordo com a lei, deve ver muito claramente e sem ambiguidades que isto é o caso.

Muito obrigado.

18/Maio/2010

[1] caveat emptor: regra nas leis dos contratos determinando que o vendedor não garante a qualidade de sua mercadoria sem um compromisso especificado.
[2] RMBS: Residential mortgage-backed security

[3] Lake Wobegon : cidade fictícia no estado do Minnesota.
Texto de declaração escrita apresentada pelo autor ao Comité Judiciário do Senado dos Estados Unidos.

"Retirado do Blogspot pimentanegra"