quarta-feira, 14 de abril de 2010

Belo Monte ou um mau poema de primavera


Ubiratan Cazetta milita no grupo dos que organizam o pessimismo, não o pessimismo descomprometido, mero desleixo com o coletivo, mas o contrário ao “grosseiro otimismo” dos que avançam solícitos rumo ao capital, aqueles que se agarram a uma época de nulidades e desventuras, no entanto, uma época de “compromissos”. Cazetta não se deixa inspirar pela ideologia do progresso linear, descobre no pessimismo um ponto de convergência efetiva para a proteção dos direitos difusos, em aliança com o pessimismo ativo, organizado, prático, inteiramente dedicado a impedir a chegada do pior.

É deste tipo de pessimista que o Brasil precisa, sobretudo o norte, a região amazônica - que se manifesta de maneira imediata mcontra os empreendimentos mal arquitetados pelos cérebros monstruosamente diminuídos, capazes de esquecer centenas de milhares de anos de história da técnica de hidrologia como ciência; capazes de minimizar todos os avanços da antropologia enquanto estudo no último século; que lançam por terra a tão bem elaborada Constituição Brasileira e as suas determinações do Estado Democrático e de Direito em nome da geração de alguns kilowatts de energia.

Que a organização do pessimismo impretada por tantas instituições, ainda que exaustas pela sucessão implacável dos "decisivos" fatos políticos, sigam combatendo o cortejo "triunfal" dos senhores de hoje sobre o corpo dos vencidos – índios, mulheres, negros, pequenos agricultores familiares, periferia dos pequenos municípios – e coloque fim à cegueira revestida de otimismo que estabelece um “estado de exceção" – grafado como tem que ser – para os direitos civis.

Cazetta sabe que a mudança de cenário físico se torna uma tormenta individual, além de coletiva, e que a relação entre vida e ambiente rui: o ambiente já não constitui mais uma referência estável para o destino variável das pessoas - desfaz-se com mais velocidade do que as lembranças e os hábitos, exigindo das pessoas um contínuo esforço de adaptação. Belo Monte representa a morte para uma série de espécies de fauna e flora, para uma representação geográfica única, e, talvez o mais absurdamente insuportável: para costumes e culturas de modus vivendi jamais apreendida pelo resto do país e do mundo.

Walter Benjamim rejeitou o culto moderno à Deusa Progresso, colocando no cerne da sua discussão filosófica o conceito de "catástrofe", sendo esta o contínuo da história, símile  e antítese de progresso.

Juliete Oliveira

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Crônica de uma tragédia anunciada

 Miro da Mangueira com bandeira de Hélio Oiticica - onde está a alegria?

Ao despertar hoje na tranquilidade do meu lar, sou mais uma vez abalada pelo pensamento de que a quietude da qual desfruto não se estende a todos, lembro imediatamente das condições em que se encontram centenas de famílias no Rio de Janeiro. John Stuart Mill, transcrito por Borges, trata da lei da casualidade em que argumenta que o estado do universo em qualquer instante é  uma consequência de seu estado anterior. Aqui também, somos tomados pelo sentimento de que parte do que aconteceu no Rio poderia ser evitado. Como? Perguntarão alguns...

Envolvendo-nos, evitando o hábito de pensar que o estado é uma inconcebível abstração, parando de ser apenas um indivíduo, sendo cidadão, querendo ainda o aforismo de Hegel, “O Estado é a realidade da idéia moral”. Não nos sentindo como Dom Quixote, para quem “cada um deverá se ocupar de seu pecado”. A cidade é o palco de todos, portanto responsabilidade comum. A política aristotélica é essencialmente unida à moral, porque o fim último do estado é a virtude, isto é, a formação moral dos cidadãos e o conjunto dos meios necessários para isso. O estado é um organismo moral, condição e complemento da atividade moral individual, e fundamento primeiro da suprema atividade contemplativa. A política, contudo, é distinta da moral, porquanto esta tem como objetivo o indivíduo, aquela a coletividade. A ética é a doutrina moral individual, a política é a doutrina moral social. Desta ciência trata Aristóteles precisamente na Política, de que acima se falou.

Ao Rio nos últimos dias. Recentemente vimos o Governador do Estado chorar em cadeia nacional, pelos ricos roytes do pré-sal, alguém viu o nobre homem derramar alguma lágrima diante das centenas de vidas que foram soterradas? Não apenas soterradas pela lama geologica, mas já soterradas há muito, pela falta de oportunidade, pela miséria, pela fome – a conspiração do silêncio – aqui é preciso citar Josué de Castro - para ele há uma perda muito grande de energias mentais nesse círculo de sustentação da elite a custa da exclusão de tantos. Não seriam as lágrimas do governador mais um ensaio do capitalismo democrático, o qual Deleuze classificou como “totalmente comprometido na fabricação da miséria humana”?

Esta é a consequencia da qual falou John Stuart Mill, a de um estado inerte, ou mais que isto, paralítico, débil, que amesquinha e despreza o indivíduo. A subida de Hélio Oiticica ao morro da Mangueira de certo se diferencia destes que hoje sobem como mensageiros da morte e do desastre, nas suas supostas ações políticas. Favelizam as cidades Brasil afora, com uma política que revigora o feio, o grotesco, a morte. Hélio é gás - Mangueira é árvore, estavam estabelecidas conexões, intensidades de um pensamento novo, não-pensado que as conveniências institucionais negligenciam descaradamente. Que urbanistas subam o morro, arquitetos, poder público -  para um trabalho que não cabe nem nunca coube à polícia.

Juliete Oliveira