quinta-feira, 8 de março de 2012

102 anos de luta pacífica


As mulheres e as crianças são as primeiras que desistem de afundar navios.
Ana Cristina Cesar


Há 102 anos, em 1910, a socialista alemã Clara Zetkin propôs, na 2ª Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, na Dinamarca, a criação do Dia Internacional da Mulher, 8 de março, em homenagem as mulheres que morreram na fábrica em 1857.
Toda vez que penso nesta história imagino aquelas mulheres felizes e ansiosas por terem conseguido uma reunião, seriam ouvidas.
Finalmente poderiam falar de suas dificuldades, das 16 horas diárias de trabalho, da equiparação salarial, pois só recebiam um terço da remuneração masculina, tratamento digno dentro do ambiente de trabalho e tantas outras simples e justas reivindicações.
Choro a dor do espanto, do desespero de se encontrarem trancadas e morrerem queimadas. Em quem pensavam aquelas mulheres? Provavelmente em seus homens, filhos, maridos, pais.
Sempre foi assim a luta feminina jamais derramou o sangue masculino em seus protestos pela busca da igualdade, do reconhecimento, do respeito, da valorização. Foi e é pacífica, sem armas, sem violência. No entanto quantas são as histórias de mulheres mortas, as tecelãs operárias de Nova York¹ as alunas de Engenharia vítimas da loucura de um aluno machista no recente ano de 1989, no Massacre de Montreal². E quantas são as vítimas anônimas, porque disseram não, porque quiseram trabalhar, estudar..., foram mortas por homens, pelos seus homens.
Nós, mulheres rasgamos sutiãs, realizamos passeatas, batemos panelas, às vezes pelos direitos dos maridos, em referência ao protesto das esposas de militares durante a greve da Polícia Militar do Tocantins em 2001.
E o mais interessante é que a luta nunca foi para tomar o poder ou território masculino, ao contrário, pela igualdade em nossas diferenças, a valorização das características femininas. Por que tudo que é feminino é considerado pejorativo, insignificante, prejudicial? “mulher fala muito, é vaidosa, emocional”, quando que a capacidade aguçada de comunicação, o cuidado zeloso consigo mesmo e principalmente a capacidade de sentir deixaram de ser importantes para uma sociedade civilizada. Somos diferentes, que maravilha! Na natureza nenhuma folha é igual a outra e na diferença se faz o equilíbrio a completude.
E todas as conquistas foram comemoradas sem o desdém arrogante da vitória pela vitória, e sim com a alegria amorosa de quem conseguiu um futuro melhor para todas e todos.
A luta se fará ainda por cem anos, pacífica pela fraternidade entre os gêneros e contra toda e quaisquer formas de discriminação e preconceito.

Letícia Bordin
março 2012

 
¹No Dia 8 de março de 1857, operárias de uma fábrica de tecidos, situada na cidade norte americana de Nova Iorque, fizeram uma grande greve. Ocuparam a fábrica e começaram a reivindicar melhores condições de trabalho, tais como, redução na carga diária de trabalho para dez horas (as fábricas exigiam 16 horas de trabalho diário), equiparação de salários com os homens (as mulheres chegavam a receber até um terço do salário de um homem, para executar o mesmo tipo de trabalho) e tratamento digno dentro do ambiente de trabalho. A manifestação foi reprimida com total violência. As mulheres foram trancadas dentro da fábrica, que foi incendiada. Aproximadamente 130 tecelãs morreram carbonizadas, num ato totalmente desumano.

²Massacre de Montreal – A tragédia ocorreu na Escola Politécnica, em Monteral, no Canadá, há quase 20 anos, em 1989. Um rapaz de 25 anos invadiu a sala de aula e ordenou que os homens (aproximadamente 48) se retirassem da sala, permanecendo somente as mulheres. Gritando: “você são todas feministas!?”, ele começou a atirar enfurecidamente e assassinou 14 mulheres, à queima roupa. Em seguida, suicidou-se. O rapaz deixou uma carta na qual afirmava que havia feito aquilo porque não suportava a idéia de ver mulheres estudando engenharia, um curso tradicionalmente dirigido ao público masculino.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Lúcio Flavio Pinto é um perseguido político –  pelos governos que se revezam no Pará e que não mudam a condição de entrega deliberada das riquezas do estado, submetidos e omissos aos modelos econômicos que foram se impondo; um perseguido político pelas classes dominantes, pelo poder judiciário, pelas elites que tudo tomam para si como forma de lucro, decorrente de golpe, fraude, trapaça. Esses que atuam na Amazônia e a empurram para a barbárie, o atraso, a degradação. E o jornalismo de Lúcio Flávio Pinto é sua experimentação política, denota posição ética, não se restringe apenas à função de informar, ainda que informe, mas se utilizando da informação para pensar as relações socias de poder, não apenas os temas (a violência, a ocupação, o desmando), mas os paradoxos, contradições, antíteses. Daí a palavra que prospera admiravelmente é a vida, suas formas de liberdade ativa.  

''No Pará não apenas o grileiro consegue se apropriar das terras públicas, como ainda se precisa indenizá-lo quando se denuncia''. Entrevista especial com Lúcio Flávio Pinto 

   

Imagine a cena. Você é jornalista e decide usar seu trabalho para denunciar um empresário que se considerou dono de uma terra pertencente ao patrimônio público. O fato é comprovado judicialmente. No entanto, o empresário usa o poder financeiro para deixar claro que não gostou de uma expressão utilizada em sua denúncia. Você é processado por danos morais ao tentar esclarecer a opinião pública e defender o patrimônio nacional. E o pior: você é condenado pela justiça a indenizar o grileiro ofendido. Resumidamente, este é o caso real do jornalista Lúcio Flávio Pinto, que concedeu a entrevista a seguir, por telefone, para a IHU On-Line, relatando detalhes do processo do qual é vítima.

IHU On-Line – Pode explicar brevemente o caso da grilagem de terras e do processo movido pela Construtora C.R. Almeida contra você?
Lúcio Flávio Pinto – Em 1995, Cecílio do Rego Almeida adquiriu o controle acionário de uma empresa de Altamira, chamada Incenxil. Com essa compra, vieram vários papéis, que eram registros e que estavam no cartório, embora não tivessem o título para que essas terras passassem do domínio do estado para o domínio particular. Com esse controle ele se considerou dono de uma área em que apenas uma das fazendas somaria quatro milhões e 700 mil hectares. Um ano depois, em 1996, o Instituto de Terras do Pará – Iiterpa entrou com uma ação de cancelamento e anulação desses registros, por serem fraudulentos. A ação foi recebida pelo então juiz de Altamira, onde hoje está sendo construída a hidrelétrica de Belo Monte, e a empresa recorreu para o Tribunal. O primeiro a dar uma sentença favorável foi o desembargador João Alberto Paiva, que restabeleceu a plenitude do registro que havia sido cancelado pelo juiz local da comarca. Em seguida, o estado também apelou, entrando com interdito proibitório para impedir que qualquer pessoa entrasse nessa vastidão, que caso se constituísse um estado, seria o vigésimo primeiro maior estado do Brasil. A desembargadora Maria do Céu Cabral Duarte concedeu o interdito proibitório antes mesmo de receber o pedido. Todas essas irregularidades eu fui denunciando, porque também sou muito amigo do que era então diretor do departamento jurídico do Iterpa. E nós preparamos, juntos, uma ação para cancelar esses registros. Cecílio ficou extremamente irritado com a minha participação e com os meus artigos. E entrou na comarca de São Paulo com uma ação de indenização por dano moral, porque se considerou ofendido pelo uso da expressão “pirata fundiário”. Essa ação foi deslocada de São Paulo para Belém, porque o local certo é Belém. Mas o juiz de São Paulo que recebeu também uma ação parecida contra um repórter da revista Veja, movida por um vereador de Altamira, não aceitou a ação. E não apenas inocentou os réus, como também os elogiou, dizendo que estavam defendendo o patrimônio público. Eu fui o único condenado, em 2006, por um juiz que não era o titular da vara onde estava o processo. Ele ocupou essa vara por apenas um dia e devolveu o processo quando a titular já havia retomado o controle da vara. Ele não podia mais decidir. E para que a sentença dele tivesse validade, assinou com data retroativa de quatro dias anteriores. Eu fui condenado a pagar oito mil reais de indenização, retroativas a 1999, quando saiu meu artigo no Jornal Pessoal, que é um quinzenário que mantenho aqui, que com os juros e correção monetária, daria hoje 20 mil reais. Eu recorri, mas o Tribunal negou vários recursos, inclusive quando o autor da ação (Cecílio do Rego Almeida) morreu, em maio de 2008. Foi mantida a sentença. Durante esse longo percurso de 11 anos, eu só perdi e várias arbitrariedades foram cometidas. Quando o processo finalmente subiu para Brasília, foi descoberto um erro formal, que fez com que o presidente do Superior Tribunal de Justiça não aceitasse o recurso. Nesse momento, achei que já era demais, porque desde 1992 venho sofrendo processos por pessoas que não tem a mínima preocupação em esclarecer o público, que não exercem o direito de resposta, e que encontraram no poder Judiciário um cúmplice, para me impedirem de continuar a exercer o jornalismo, o que eu faço há 46 anos.
Então, era o limite. E resolvi não recorrer dessa decisão. Abri uma subscrição pública para as pessoas que quisessem contribuir para indenizarmos o grileiro. Espero agora que o processo venha com a execução da sentença. E no dia em que for para pagar, vou comparecer e vou convidar todas as pessoas que participaram dessa subscrição para irmos fazer um ato simbólico no Tribunal, que é entregar o dinheiro e mostrar que no Pará não apenas o grileiro consegue se apropriar das terras públicas, como ainda se precisa indenizá-lo quando se denuncia.

Quem denuncia é punido
A revolta foi ainda maior porque, em novembro do ano passado, a Justiça Federal de primeiro grau aceitou uma ação do Ministério Público Federal e mandou cancelar os registros do Cecílio do Rego Almeida, porque eram indevidos. Ou seja, reconheceu que realmente ele fez uma grilagem. Então, para a Justiça Federal trata-se de uma grilagem. Para a justiça de São Paulo, quem denunciou não apenas não deve ser processado, como deve ser elogiado, porque defendeu o patrimônio público da apropriação ilícita. E para o Tribunal de Justiça do Pará, que tem a jurisdição sobre o segundo maior estado da federação, quem denuncia é punido e as maiores arbitrariedades são cometidas, porque não apenas o tribunal favorece o grileiro, mas também quer se livrar de um crítico incômodo. Todos esses anos em que estou sendo processado na justiça, desde setembro de 1992, em 33 processos, tenho sido vítima de uma perseguição da justiça do Pará. Eu sou talvez o único jornal, embora pequenino, que mostra todos os erros do tribunal. E não é só contra mim que o tribunal faz isso. É que a justiça do Pará é muito ruim.

IHU On-Line – O que lhe motivou a desistir de recorrer à justiça neste processo? Qual o significado político deste gesto?
Lúcio Flávio Pinto – É justamente mostrar que eu estou em um julgamento político. A lei foi deixada de lado, a verdade foi deixada de lado, meus argumentos não foram considerados, as provas dos autos foram ignoradas para me punir, para me calar, para me intimidar. Meu Jornal Pessoal tem 25 anos e ele é sempre crítico, nunca foi desmentido, porque sempre tive essa cautela de só escrever sobre aquilo que posso provar em qualquer estância, administrativa ou judicial. A maneira que eles encontraram foi criar um processo político, em que não interessa o que eu estou dizendo, mas que tenho que ser condenado. Já que eles agiram politicamente, eu resolvi reagir politicamente. Mostrar que eles querem que se pague para um grileiro que está se apropriando de uma área no Pará do tamanho da Bélgica, onde moram 10 milhões de pessoas. Então, vamos pagar. Agora, o culpado é o Tribunal de Justiça do Pará. Tem gente boa lá? Tem. Tem gente competente? Tem. Mas que não tem nenhum acesso ao poder, que não modificam as decisões. O Tribunal se transformou em um lugar onde os criminosos estão conseguindo ganhar. Ninguém provou que o que eu disse era mentira, mas eu sou condenado. Não me deixam o direito de provar. Então, eu quis fazer uma denúncia aproveitando uma arbitrariedade do Tribunal para que a opinião pública não só saiba, como também participe, porque quem doou dinheiro para pagar a indenização está aceitando pagar o sujeito que só não foi para a prisão porque completou 70 anos e a prescrição da pena que cabia a ele já estava prescrita pela idade dele. Se não fosse isso, ele teria uma ordem de prisão da justiça federal. E para a justiça do estado, ele tem razão. As pessoas estão contribuindo e espero que logo adiante se alcance essa estimativa no valor da indenização. Nestes próximos dias estou lançando um livro contando todos os fatos e citando os nomes de todas as pessoas que participaram disso que eu chamo de um "gulag tropical".

IHU On-Line – O que esse episódio evidencia sobre a situação da grilagem de terras no país? O que está em jogo nessa questão?
Lúcio Flávio Pinto – Em primeiro lugar, mostra que tem que se apoiar no CNJ para aumentar o controle externo do poder Judiciário, que é, dos três poderes constitucionais, o que está menos visível e o que está mais refratário ao controle da sociedade. Em segundo lugar, a grilagem se intensifica todas as vezes que há alguma incerteza econômica. Então, as pessoas que têm dinheiro procuram, comprando terras, criar uma reserva de valor contra as ameaças reais, possíveis ou imaginárias, da economia. As terras, pelo seu baixo valor e pelo conceito errado do uso dos recursos naturais da Amazônia (que torna a terra mais importante do que a floresta), se tornam uma reserva de valor certa para os especuladores. Por isso, em momentos de crise, a grilagem e o desmatamento crescem, porque a Amazônia é uma reserva do país, sobretudo dos grupos poderosos que têm dinheiro para investir e manter grandes áreas como instrumentos de especulação imobiliária e financeira. Então, o que precisa ser feito é moralizar o registro de terras que até hoje, apesar dos avanços tecnológicos, continua precário. Os cartórios, por exemplo, fazem o que querem.

IHU On-Line – Se as terras em questão pertenciam ao patrimônio público, porque o dono da Construtora C.R. Almeida se disse ofendido por ser chamado de “pirata fundiário”? Ou seja, chamar grileiro de grileiro é crime?
Lúcio Flávio Pinto – Ele está na lógica dele. Ele quer um pretexto para me intimidar, para me calar, já que comprar, ele não podia. Então, ele inventou essa história. Não deu certo em São Paulo, mas deu certo em Belém. Então, ele tentou e se deu bem. As conexões mostram que foi uma conspiração real e que o objetivo dele era de que não interessasse o que eu estava dizendo, eu seria condenado. E para isso ele usou do seu poder. E não é só um poder que veio do fato de ele ter 1,90m de altura, ou por ele ser um sujeito agressivo, mas é o poder do dinheiro. A fortuna do grupo C.R. Almeida hoje está calculada em 5 bilhões de dólares.

IHU On-Line – Como você se sente, pessoalmente, como cidadão e jornalista brasileiro, diante do episódio?
Lúcio Flávio Pinto – Quando eu vi a decisão do STJ, fiquei perplexo, desanimado, com vontade de ir embora do Brasil, porque mesmo em uma democracia houve o abuso do poder econômico. Mas depois decidi reagir e de uma forma que eles não esperavam, pois acharam que eu ia continuar preso ao processo. Resolvi ultrapassá-lo, sabendo dos riscos de perder a primariedade e de pagar a indenização. Então, estou perfeitamente consciente: vou pagar o preço por tentar mobilizar a sociedade, por tentar fazer com que ela perceba que não é um problema individual, mas um problema social grave o que eu estou enfrentando.

IHU On-Line – Como está a situação atual de Belo Monte e do rio Xingu? Quais os desafios atuais a serem enfrentados na região diante da construção da hidrelétrica?
Lúcio Flávio Pinto – Eles estão fazendo a mesma coisa que foi feita em Jirau, no rio Madeira: estão criando fatos consumados. Até a multa que o Ibama aplicou à Norte Energia, ao consórcio que está construído, nos faz pensar se é para valer ou se é como um “banho de piranha”, para desviar a atenção, porque a multa é excessiva, não se justifica ao delito que eles cometeram, que é simples. O governo está sendo rigoroso e o resultado concreto disso é que os fatos vão avançando. Hoje já é difícil colocar em questão se Belo Monte será construída ou não. Parece que agora vai mesmo ser construída. No entanto, o que se pode fazer para atenuar os problemas? Acho que essa é uma questão que ainda ninguém examinou com rigor, porque não se tem uma visão completa da situação. Talvez esta seja a linha de transmissão mais cara da história do Brasil. Vai representar uns 60% do custo da obra de geração. Então, o grande desafio para Belo Monte não é construir, pois eles vão construir de qualquer maneira, mas é o dia seguinte. Quanto irá custar? Qual será o prejuízo? Qual será o subsídio? O governo do PT sempre foi contra a privatização, sempre acusou o PSDB de colocar o Estado a serviço dos interesses particulares. No entanto, a atual grande marca do governo do PT são as grandes obras, que continuaram desde o regime militar sem mudar nada, incluindo o dinheiro do BNDES e o tesouro nacional. As hidrelétricas anteriores não tinham esse esquema. Então, o caminho será o de questionar quem vai pagar essa conta e de quanto será, para atender ao desejo impulsivo e compulsivo de construir Belo Monte.