segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Onde foi que perdi minhas imagens pisoteadas?



À Tarsila Estrela e Francisca Barros

Conheci alguém que me falou muito de ti, do teu gosto pela ajuda, da crescente necessidade em promover o bem, a preocupação com a melhora, o avanço, a educação do outro..., pena que não te deixaram cumprir tudo que planejara, no meio do caminho tinha uma “bala”, como no poema do Carlos Drummond de Andrade havia uma “bala”, mas ao revés do poema que serviu ao Drummond como amplitude e argumento a pedra te calou, atravessou as coronárias colocando por terra um estuário de possibilidade, junto com ele quem poderá dizer o que mais? Ficamos apenas a conjecturar que se, por aqui estivesses... A Terra do Meio não seria apenas o lugar que assistiu o teu sangue ser derramado, por onde as árvores se alimentaram do teu magma e hoje guardam na memória de suas seivas os teus brancos cabelos.

Cheguei mesmo a visitar-te, agora no túmulo em que te colocaram entre as árvores. Muitas são as pessoas que duvidam da tua permanência ali! É assim mesmo, de tão assombrosos alguns fatos se tornam lenda, mito! Agora promovem julgamentos para o teu retrato, é só o que se pode sob a atmosfera do entorpecimento, é certo que aqueles que apertaram o gatilho, e não se iluda não foi apenas um, ou dois, foi todo um município, um estado, um país, esse mesmo que vêm continuamente apertando o gatilho contra as vozes dissonantes em favor dos que sequer podem ter voz. Como na canção de James Blunt: Tem crianças paradas aqui, / Braços estendidos para o céu, / Lágrimas secando nos seus rostos. / Ele esteve aqui. / Irmãos enterrados em covas rasas, / Pais perdidos sem deixar vestígios. / Uma nação cega para sua desgraça. / Desde que ele esteve aqui. Leiam Estado! Um nome que o silêncio e as paredes me repetem.

Por seis meses a tua presença foi muito forte entre as minhas ideias, não que a abandono agora, enfim posso respirar melhor, me afastando dos teus restos mortais. Fui paralisada, como todos ali. Como nos enraizamos dia a dia, num canto do mundo. Anapu é apenas um lugar para onde rumastes assim como eu, oito, ou nove anos depois da tua involuntária partida, estando ali, pouco ou quase nada pude fazer, a mesma perpetua bala me calou, a bala da necessidade de se manter vivo, de sustentar a família, de não ser inconveniente, de ter medo, de ser pouco, ou quase nada, de não ser louco, de não ser ridículo, de... de... Quantos argumentos são possíveis retirar do contexto em que toda a região do Xingu vive hoje? Lá estávamos nós / Olhando para alguns países pela janela / E embora tenhamos nossos problemas, ficamos bem / O céu estava azul e a noite foi tudo que eu queria / Deixe-me ser o seu cometa, eu voarei” Brandon Flowers, Jacksonville. Tive abrigo, para além de todas as casas que busquei habitar, foi possível perseguir, isolar uma essência intima e concreta para o valor singular de nossas imagens comuns.

Voaremos, sempre cotaremos com a onírica possibilidade de Ícaro, o distanciamento é por fim, mais saudável. Ou ainda, é tudo que nos resta afogados pela ininterrupta chuva, afinal a mata precisa dos índices pluviométricos e as hidroelétricas também, mesmo que o recurso da energia elétrica não seja direito de todos, assim como não é direito de todos continuarem vivos e gozando de liberdade, observando a chegada das estações, ou sentindo o orvalho da manhã, o que são trinta anos, se grande parte deles serão fora do encarceramento? “Agora Cinderela, não vá dormir / É uma forma azeda de se refugiar / Oh você não sabe, o reinado está sitiado / E todo mundo precisa de você / há ainda magia no sol da meia-noite? / ou você deixou isso em 61? / na cadencia dos olhos do jovem homem / eu não sonharia tão alto”. Brandon Flowers, A Dustland Fairytale.

Juliete Oliveira
Marabá-Pa, setembro de 2013