sábado, 13 de março de 2010

ABOLIÇÃO DA ESCRIVANINHA3
                                             livro inconfesso fechado em segredo
                                             não abre [dedo-duro] a boca
                                             não rima – que terá a ver ainda
                                             poesia com rima?
                                             não terá a ver com fome?

Não é função da literatura ajudar ninguém.
A literatura desestabiliza, abala, esgarça mais ainda as feridas.
Saquei na pré-conferência de literatura livro leitura realizada em Brasília esta semana por que essa literatura não entra nas escolas e incontáveis gerações vêm se formando sem conhecê-la.
É que caímos no abismo das simplificações!
Vou insistir: Caímos didaticamente no abismo das simplificações!
E mais: Caímos estatisticamente no abismo das simplificações!
Descemos aos infernos da idiotização e do atraso.
Isso tudo agradeçamos à Escola!
Vejam: outro dia minha filha chegou em casa com o “livro” de resumo de Dom Quixote. Em casa há pelo menos três traduções de Dom Quixote que ela conhece. E a escola dá a ela um resumo. É assustador!
Não é difícil constatar que num ambiente favorável à desolação as ervas daninhas proliferem.
Professores não são mais leitores. E, no entanto, avaliam e indicam que livro a escola deve comprar.
Na avaliação que fizemos do Plano Nacional do Livro e Leitura durante a pré-conferência literatura livro leitura, no texto em que existia a palavra “não-didático” trocamos para literatura. Uma tentativa premente de se recuperar o sentido da leitura a que devemos todos retornar nos ambientes de cultura, o da literatura estritamente literária. É ela que empurra a sociedade pra frente. É tudo que pode dar! E sem ela não pode ser!
Na pré-conferência, no meu grupo de trabalho, além de mim tinha apenas outra escritora. A pressão das editoras de livros escolares e das sacerdotizas da Verdade - as bibliotecárias, sempre no ataque com seus programas de leitura e seus didatismos seculares, seus rituais simplificadores que abolem de vez os grandes autores das escolas, e o acesso, nas fases iniciais, aos clássicos. Isso então, pra elas, chega a ser uma heresia. Não vêem que todo o fracasso escolar a que estamo lançados advém daí. De não ler a grande literatura, não ler no sentido literário.
Insisti na proposta de que as bibliotecas devem ampliar seus horários de funcionamento. Há bibliotecas, como em Palmas, que só funcionam miseravelmente no horário comercial. Jamais visam atender os trabalhadores, por exemplo. Isso deu pano pras mangas. E muita incompreensão. Mas se Lula quer zerar os municípios brasileiros sem bibliotecas, que seja, mas só isso não basta. É preciso garantir o funcionamento e o acesso a todos. Tinha que virar política de governo e lei. Que as bibliotecas públicas funcionassem 15 horas diárias. E engendrar e intensificar as demais políticas. Sem desenvolvimento humano não há, de fato, crescimento e cidadania. Tenho dito!


PS: minha filha está lendo agora, sob indicação da escola, o livro "Mudando de casca" (Giselda Laporta Nicolelis, da Moderna). Vejam a pérola: "Aquele pirralho era pior que grude; um pentelho! Será que nem seu programa favorito ele podia assistir em paz?".
É pra chorar, não?


Ney Ferraz Paiva

sábado, 6 de março de 2010


100 anos de luta pacífica


As mulheres e as crianças são as primeiras que desistem de afundar navios.
Ana Cristina Cesar
Há 100 anos, em 1910, a socialista alemã Clara Zetkin propôs, na 2ª Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, na Dinamarca, a criação do Dia Internacional da Mulher, 8 de março, em homenagem as mulheres que morreram na fábrica em 1857.
Toda vez que penso nesta história imagino aquelas mulheres felizes e ansiosas por terem conseguido uma reunião, seriam ouvidas.
Finalmente poderiam falar de suas dificuldades, das 16 horas diárias de trabalho, da equiparação salarial, pois só recebiam um terço da remuneração masculina, tratamento digno dentro do ambiente de trabalho e tantas outras simples e justas reivindicações.
Choro a dor do espanto, do desespero de se encontrarem trancadas e morrerem queimadas. Em quem pensavam aquelas mulheres? Provavelmente em seus homens, filhos, maridos, pais.
Sempre foi assim a luta feminina jamais derramou o sangue masculino em seus protestos pela busca da igualdade, do reconhecimento, do respeito, da valorização. Foi e é pacífica, sem armas, sem violência. No entanto quantas são as histórias de mulheres mortas, as tecelãs operárias de Nova York¹ as alunas de Engenharia vítimas da loucura de um aluno machista no recente ano de 1989, no Massacre de Montreal². E quantas são as vítimas anônimas, porque disseram não, porque quiseram trabalhar, estudar..., foram mortas por homens, pelos seus homens.
Nós, mulheres rasgamos sutiãs, realizamos passeatas, batemos panelas, às vezes pelos direitos dos maridos, em referência ao protesto das esposas de militares durante a greve da Polícia Militar do Tocantins em 2001.
E o mais interessante é que a luta nunca foi para tomar o poder ou território masculino, ao contrário, pela igualdade em nossas diferenças, a valorização das características femininas. Por que tudo que é feminino é considerado pejorativo, insignificante, prejudicial? “mulher fala muito, é vaidosa, emocional”, quando que a capacidade aguçada de comunicação, o cuidado zeloso consigo mesmo e principalmente a capacidade de sentir deixaram de ser importantes para uma sociedade civilizada. Somos diferentes, que maravilha! Na natureza nenhuma folha é igual a outra e na diferença se faz o equilíbrio a completude.
E todas as conquistas foram comemoradas sem o desdém arrogante da vitória pela vitória, e sim com a alegria amorosa de quem conseguiu um futuro melhor para todas e todos.
A luta se fará ainda por cem anos, pacífica pela fraternidade entre os gêneros e contra toda e quaisquer formas de discriminação e preconceito.
Letícia Bordin
março 2010

¹No Dia 8 de março de 1857, operárias de uma fábrica de tecidos, situada na cidade norte americana de Nova Iorque, fizeram uma grande greve. Ocuparam a fábrica e começaram a reivindicar melhores condições de trabalho, tais como, redução na carga diária de trabalho para dez horas (as fábricas exigiam 16 horas de trabalho diário), equiparação de salários com os homens (as mulheres chegavam a receber até um terço do salário de um homem, para executar o mesmo tipo de trabalho) e tratamento digno dentro do ambiente de trabalho.  A manifestação foi reprimida com total violência. As mulheres foram trancadas dentro da fábrica, que foi incendiada. Aproximadamente 130 tecelãs morreram carbonizadas, num ato totalmente desumano.
²Massacre de Montreal A tragédia ocorreu na Escola Politécnica, em Monteral, no Canadá, há quase 20 anos, em 1989. Um rapaz de 25 anos invadiu a sala de aula e ordenou que os homens (aproximadamente 48) se retirassem da sala, permanecendo somente as mulheres. Gritando: “você são todas feministas!?”, ele começou a atirar enfurecidamente e assassinou 14 mulheres, à queima roupa. Em seguida, suicidou-se. O rapaz deixou uma carta na qual afirmava que havia feito aquilo porque não suportava a idéia de ver mulheres estudando engenharia, um curso tradicionalmente dirigido ao público masculino.
A pedra como representação do corpo
Talhar uma mulher na pedra para não ter mais dúvidas da obediência das mulheres, essa fala retirada do discurso de Katharina Luther, reproduz o discurso imaginário de seu marido Martin Luther no livro “Se você tivesse falado, Desdêmona – Discursos desenfreados de mulheres desenfreadas” de autoria da alemã Chistine Brückner, publicado no Brasil pela editora Paz e Terra. Observando o comportamento de algumas mulheres e ainda, sendo mulher, me pergunto, se nós ao invés de sermos, como quer o universo bíblico, cria de uma costela – algo frágil, delicado, delgado – não sejamos mesmo, feitas de pedra, não pela conotação de dureza/frieza a que a palavra “Pedra” nos remete, mas pela resistência. Essa capacidade de suportar e aí inevitavelmente eu chego ao João Cabral de Melo Neto e em seu livro “A Educação pela pedra”: Uma educação pela pedra: por lições; / para aprender da pedra, freqüentá-la; / captar sua voz inenfática, impessoal / (pela de dicção ela começa as aulas). / A lição de moral, sua resistência fria ao que flui e a fluir, a ser maleada; / a de poética, sua carnadura concreta; / a de economia, seu/adensar-se compacta: / lições da pedra (de fora para dentro, / cartilha muda), para quem soletrá-la. Aqui, também se encontra a metáfora para o emudecimento feminino ao longo dos tempos, a resistência concreta, a economia, seu adensar-se, tornar-se cada vez mais densa, ser moldada, se deixar moldar. Resistir, resistir... Na América Latina e Caribe, a violência doméstica atinge entre 25% a 50% das mulheres; Uma mulher que sofre violência doméstica geralmente ganha menos do que aquela que não vive em situação de violência; A cada cinco anos, a mulher perde um de vida saudável se ela sofre violência doméstica. Dados do Instituto Patrícia Galvão. Qualquer semelhança não é mera coincidência, contudo, é preciso que nos vejamos nesses números para que possamos sair um pouquinho da nossa condição de pedra – nesse caso, da imobilidade e mudez da pedra – e, não apenas nesse, é preciso que sejamos um pouco água, que de acordo com o conhecido ditado popular “em pedra dura tanto bate até que fura”. E já que assumimos facilmente a forma de água por mineralmente fazer parte dela, sejamos também invasivas, tomemos para nós o que nos cabe, na tentativa incessante, de promover o descolamento da mulher do lugar binário em que ela foi depositada, como uma garantia da sociedade falocêntrica. E ainda parafraseando Derrida “potencializar a própria diferença que passa a ser diferença que produz diferença, e não apenas diferença depositada numa dualidade”. A sociedade, sem demagogias, precisa de pessoas, sejam elas homens, mulheres, crianças, negros, brancos, e não de um sistema partido ao meio, tal como se observa hoje, em que é necessário se criar toda uma política de gênero, de cor, de grupos, forçando uma alegoria do esforço individual de integração da racionalidade econômica e da identidade cultural para a “ação democrática”, criando as condições institucionais da liberdade do sujeito. Para a psicanálise, a diferença sexual continua sendo um dos seus mais complexos dogmas: a psicanálise vai estabelecer que a diferença anatômica dos sexos delimita as diferenças. Não seria o caso de nos perguntarmos se essa definição por si só bastaria para suportar toda uma realização de sentido efêmera que não se garantiria para além da simples representação colada numa figura corpórea? Para essa representação Foucault desenvolve uma economia política do corpo, um corpo definido em termos de materialidade, isto é como matéria inclinada a experimentar uma variedade de operações simbólicas e materiais: deve fazer-se dócil, submissa, erótica, utilizável, produtiva, maternal e etc. Lembremo-nos das mulheres africanas que deverão experimentar essa economia do corpo em período de copa do mundo, um dos maiores espetáculo do capital e nos transformemos em fogo para queimar os funcionários da verdade; os burocratas da revolução, os terroristas da teoria e os lastimáveis técnicos do desejo.

Juliete Oliveira
março 2010

terça-feira, 2 de março de 2010



Quando achamos necessário, não temos o direito de não sermos nós a fazê-lo: delegá-lo a outros seria imoral. (Bertolt Brecht)
O sentimento de dever moveu e move certos indivíduos ao longo da história, e, é dele que me sirvo para construir o que me cabe até o momento. O Rubens Alves defende que o educador é aquele que aprende, devo concordar com ele, pois tomados por essa compreensão aprendemos inclusive a aprender com a censura. Não a censura pesquisada da história recente, mas uma muito mais perniciosa e atroz, aquela que busca riscar dos dicionários qualquer termo, expressão, vernáculo, vocábulo, que não lhe seja familiar, ou ainda, que não faça parte do seu minúsculo vocabulário cotidiano.  

Os limites da minha linguagem denotam os limites do meu mundo! (Wittingesntein)
Para atender aos censores de plantão que medem o mundo a partir do próprio quintal, deveria inclusive ser feita uma reforma vernacular, em que por economia fonética os dicionários deveriam ser resumidos; deles deveriam ser retiradas todas as palavras que não fossem usuais, tomando como parâmetro, claro, um mundo distante dos livros e da leitura, tendo como referência a linguagem oral de certos indivíduos.

Grande parte da cultura ocidental tem como fonte a cultura Grega, berço da inteligência e da técnica; usada desde sempre como o limiar do pensamento, mas toda a atemporalidade encontrada nos modelos instalados, sobretudo pelo povo grego, só alcançou as gerações subseqüentes graças à língua; agora nos perguntamos o óbvio: a língua falada? Ou a língua escrita?

Esse questionamento responderemos com um verso da grande e nada econômica, muito menos censora, Adélia Prado: não quero nem faca nem queijo; quero é fome. 

Pois é, foi essa mesma fome que moveu a sociedade através dos tempos, para que de uso da escrita recriasse, reinventasse e reinstalasse o que começaram os gregos. Toda uma gama de terminologias e termos do universo da física, passados de geração a geração num exercício de ensino/aprendizagem; e a biologia e a taxonomia, ou ainda a classificação dos animais. Devemos agora evitar os termos nada usuais da classificação das plantas, porque as pessoas não vão entender? Seria por isso que muitos biólogos não as reconhecem na natureza? 

O que está em questão, a pretexto de simplificar e faciliar, é o controle de informação. Difundi-la sempre como a cópia progressiva das mesmas formas, códigos e modelos - até que os tolos e incautos ruminem e entendam. Num ambiente assim, escrever, pensar, exercer conhecimento será sempre considerado uma condura inadimissível, ainda que todos saibam que o mercado exige um marketing cada vez mais aberto e ousado a fim de consolidar seus lucros.

Posturas assim talvez expliquem uma pequena parte das nossas misérias nacionais. O emburrecimento e o regurgitar da mediocridade.

juliete oliveira