terça-feira, 29 de junho de 2010

O sertão vai virar mar



O sertão vai virar mar / Dói no coração / O medo que algum dia / O mar também vire sertão... (Sobradinho, Trio Nordestino). O sociólogo francês, Pierre Bourdieu, escreveu certa vez que a competência de um discurso — sua razão de ser e sua eficácia — não reside simplesmente no seu aspecto linguístico de propriedade e correção, mas, antes: no «lugar» socialmente definido a partir do qual ele é proferido. (Bourdieu, 1982:174). Quem entre nós, não se lembrou dos versos acima, nos últimos dias? Antes de ser um paradoxo – o sertão virar mar – é algo que se verificou, pode acontecer, um mar de lama, um mar de desolação, tristeza e lágrimas de tantos que perderam o pouco que tinham.

E esse discurso? Deve-se fixar onde? O “lugar”, o nordeste brasileiro. Isto impõe a necessidade de se instituir uma crítica histórica, ou seja, uma avaliação das motivações subentendidas nos processos locutórios, que atribuem ao discurso — polissêmico de per se — um sentido unívoco ao longo de um período ou em uma determinada época. A época é essa, pré eleitoral, cibernética, em tempo real. Perguntemos, pois, aos moradores de Palmares e municípios adjacentes que são obrigados a transportar alimentos no lombo do jegue, pela inexistência total de outra possibilidade de transporte, qual o sentido desse tempo? E qual seria o verdadeiro sentido do discurso? A não ser aquele que justifica os últimos acontecimentos pelos meios naturais. Choveu o equivalente a “trocentos” milímetros, o esperado para todo o mês, em algumas horas. Ou ainda, o desmatamento, a ocupação irregular – do minúsculo ao incomensurável

O nordeste teve por algumas décadas um órgão chamado SUDENE / Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – desta nos lembramos –, não pelos resultados alcançados pela instituição, que era responsável por orientar um desenvolvimento dentro de padrões de segurança e bem estar social. Essa instituição esteve atrelada aos principais ministérios: planejamento, ciência e tecnologia, do interior (hoje integração nacional), agricultura, entre outros. Temos no Brasil muitos anos de pesquisa para o desenvolvimento social, para a produção agrícola e pelo menos uns vinte anos de pesquisa para o desenvolvimento sustentável.

Por que ainda, temos que emprestar nossos ouvidos para esse tipo de explicação? Pelo mesmo motivo que temos ainda que suportar propagandas eleitorais, enganosas, promessas arquitetadas nas sombras. Isto impõe também, uma denúncia dos estrategistas, isto é, os especialistas que garantem aos grupos que exercem o poder a eternização do provisório, ou, em outras palavras, a solidez ideológica através da qual estes grupos definem como corretas e normais suas formas de organização, pensando, assim, justificar suas ações práticas.

É o provisório que deve ser sólido, em matéria de discurso, por que fazer algo planejado de fato, duradouro, sustentável, obra dá voto, precisamos construir o país. O desenvolvimento deverá justificar tudo! Por quanto tempo? O tempo até o próximo desastre, porque o tempo muito embora seja um artifício dos gestores públicos, para justificar uma licitação, por exemplo, para o nordestino pode ser o intervalo entre uma safra e outra, uma seca e outra e ainda, entre uma enchente e outra.

Tempo suficiente sabemos, para o planejamento, a construção, o zoneamento, para se afastar os riscos e proteger quem precisa de proteção. Cuidar da polis é um exercício do homem. Marx e Engels em O Dezoito Brumário de Luiz Bonaparte fizeram uma análise coerente desse exercício. A história não faz nada, “não possui uma riqueza imensa”, “não dá combates”, é o homem, o homem real e vivo que faz tudo isso e realiza combates; estejamos seguros de que não é a história que se serve do homem como de um meio para atingir — como se ela fosse um personagem particular — seus próprios fins; ela não é mais do que a atividade do homem que persegue os seus objetivos. (Marx & Engels, apud Fernandes, 1983:48). Pensemos assim do tempo, para que ele cesse de ser mar.




Juliete Oliveira

2 comentários:

  1. OLá Juliete, que texto interesante, acho que precisamos muito além de renovar o discurso, visto que o discurso dos nossos politicos continuam vazios e partir para a pratica social, vencer a anestesia que nos paralisa a ação
    abraçoamigo
    renata

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  2. Oi Renata, que bom que gostou, seguimos sempre na tentativa de se fazer ouvir a voz dissonante, daqueles que querem o diferente. No combate sempre!
    Grande abraço
    Juliete

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