terça-feira, 25 de maio de 2010

a compu (ta) linguagem

Um filósofo e sua mulher num jantar... Sua ambição é determinar, com o uso de máquinas elétricas de computação, a estrutura básica da linguagem. Os valores e as evocações das palavras podem ser determinadas, ele me diz, pelos equipamentos, e assim poemas de qualidade podem ser escritos por máquinas. Portanto, retornamos à absolescência dos sentimentos. Penso na minha maneira de sentir a linguagem, sua intimidade, seus mistérios, seu poder de evocar, numa pronúncia catarral, os ventos marítimos que sopram sobre Veneza ou, num A mais duro, o maciço para além de Kitzbühel. Mas isso, ele me diz, é apenas sentimentalismo. A importância dessas máquinas, sua tendência para legislar, para calibrar palavras como “esperança”, “coragem”, todos os termos que usamos para alimentar o espírito.

John Cheever escreveu esse texto lá pelos anos de 1950, muito antes de os computadores terem se tornado apenas mais um acessório doméstico, e mesmo antes de terem ganhado um nome específico. A arrogância reducionista do filósofo e a resposta indignada do autor são reações contrapostas a uma verdade simples, que ainda hoje é válida: escrita informativa e escrita criativa são formas diferentes de conhecimento, exigindo diferentes habilidades e relações com a linguagem totalmente diferentes.

A. Alvares, A voz do escritor

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