sexta-feira, 7 de maio de 2010

O que tem a Gisele com a floresta em pé?


Triste de quem é feliz.
Fernando Pessoa


A governamentalidade passa, dentre outras estratégias de subjetivação-dessubjetivação, por encarnar a função que o gozo decepcionante das sociedades espetaculares e de consumo não podem encampar completamente: uma máquina de fazer sorrir. A isto atribuímos a presença da Mega, Ultra, Super Top Model Gisele Bündchen‎ na Comissão Especial do Código Florestal. Desde os gregos, a felicidade foi convertida em tarefa da política, mas a felicidade sem possibilidade de pensamento não pode ser mais que um gozo, um sentimento reativo: não pode nada, senão permanecer no continuum desse gozo. A felicidade, aferida segundo as formas de vida governamentais, normais ou desviantes – pouco importa – implica, em verdade, uma das realizações finais da biopolítica: separando a vida da forma de vida, sacraliza-se não apenas a vida, mas também a forma que essa vida pode assumir; interdita-se o próprio acesso à política, à comunidade, à felicidade.


Discutir o Código Florestal passou a ser tarefa das beldades muito acima dos mínimos padrões que costumam guiar a vida das pessoas “normais” – é preciso ter porte, elegância e um grau de consumo altíssimo – e mais, muito mais: influenciar esse consumo, trabalhar em favor da máquina de produção de felicidade capitalista! Tudo a favor do modelo de Estado de bem-estar social (Welfare State), uma incumbência das políticas governamentais. Propiciar e zelar pelo bem-estar psicológico, a satisfação e conforto em relação à própria vida, é tarefa política, mas não deixa de ser uma das mais atuais estratégias de subjetivação-dessubjetivação dos governos e dos grupos de poder. A despeito de qualquer coisa a engrenagem não pode parar e o índice que mede a felicidade deve ser mantido, o FIB (Felicidade Interna Bruta). Mas felicidade de quem?


Certamente que não aqueles que terão o seu local de vivência, moradia, produção e reprodução dessa subjetividade, franqueado por um Código escrito por estrelas de constelações estranhas ao mundo real. O que saberá a rica Top das quebradeiras de coco do cerrado brasileiro? Da colheita diária do açaí e da piaçava na aurora amazônica? Com certeza pouco, muito pouco. Ainda que se venha discutindo exaustivamente a participação dos principais interessados nas questões que envolvem a floresta em pé, quase nada vem acontecendo na prática – talvez porque os principais interessados de que o Código Florestal não passe de uma receita de cosmético prescrita para “embelezar” o assombro do desmatamento sejam, finalmente, os grandes proprietários de terra, o agronegócio, as mineradoras e todos os que movimentam a bufunfa e riscam a floresta do mapa.


Juliete Oliveira

4 comentários:

  1. "Discutir o Código Florestal passou a ser tarefa das beldades muito acima dos mínimos padrões que costumam guiar a vida das pessoas “normais”.. O QUE SERIA DE NÓS SEM A MÁSCARA POLITICA QUE OS MAIORAIS DO MUNDO ULTILIZAM PARA TRATAR DE QUESTÕES TÃO IMPORTANTES COMO AS FLORESTAS.. COM CERTEZA SERIAMOS MUITO MAIS FELIZES.. ADOREI O TEXTO.

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  2. é preciso se alertar para a realidade o quanto antes, sob pena de em bem pouco tempo não existirem mais florestas a serem preservadas...

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  3. Prezada,

    o problema das celebridades é que geralmente opinam sobre temas com os quais elas não têm o mínimo de intimidade. Por outro lado, o fato de opinarem não exime o provocador da sua responsabilidade.

    Não creio que o problema esteja na Gisele ter dado a sua opinião, mas está no fato de terem-na convidado.

    Agora, partindo do princípio de que a tal Comissão Especial faz um papel desse a pergunta que não quer calar é: vai sair algum resultado aproveitável disso tudo?

    Tenho as minhas dúvidas quanto aos resultados mas não me surpreenderia ter que ouvir a palestra da Lady Green ou da Mulher Melão sobre a problemática das relações edafoclimáticas da Amazônia.

    Abraço.

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  4. Olá Juliete, que alegria receber a sua visita no letra e fel. Adorei treu Blog!
    Podes dizer que és educadora ambiental, apossa-te disso, porque digo isso, porque tornei-me terapeuta sendo artista plastica, e a educação ambiental veio na esteira, foram muitas barreiras vencidas até conseguir algum respeito, "afinal,esse negocio de arte é pra desocupados"... era isso o que me diziam quando eu propunha reflexõe a partir da arte.
    Hoje, o quadro começa a se inverter e as pessoas tem um maior esclarecimento, mas precisam cair do paraiso e ver o que estamos fazendo com a terra e consequentemente com nós mesmos... Parabéns por propiciar mais este espaço de diálogo e interação sobre meio ambiente e pessoas...
    isso é educação ambiental
    abraços
    renata

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