terça-feira, 25 de maio de 2010

a compu (ta) linguagem

Um filósofo e sua mulher num jantar... Sua ambição é determinar, com o uso de máquinas elétricas de computação, a estrutura básica da linguagem. Os valores e as evocações das palavras podem ser determinadas, ele me diz, pelos equipamentos, e assim poemas de qualidade podem ser escritos por máquinas. Portanto, retornamos à absolescência dos sentimentos. Penso na minha maneira de sentir a linguagem, sua intimidade, seus mistérios, seu poder de evocar, numa pronúncia catarral, os ventos marítimos que sopram sobre Veneza ou, num A mais duro, o maciço para além de Kitzbühel. Mas isso, ele me diz, é apenas sentimentalismo. A importância dessas máquinas, sua tendência para legislar, para calibrar palavras como “esperança”, “coragem”, todos os termos que usamos para alimentar o espírito.

John Cheever escreveu esse texto lá pelos anos de 1950, muito antes de os computadores terem se tornado apenas mais um acessório doméstico, e mesmo antes de terem ganhado um nome específico. A arrogância reducionista do filósofo e a resposta indignada do autor são reações contrapostas a uma verdade simples, que ainda hoje é válida: escrita informativa e escrita criativa são formas diferentes de conhecimento, exigindo diferentes habilidades e relações com a linguagem totalmente diferentes.

A. Alvares, A voz do escritor

sexta-feira, 7 de maio de 2010

O que tem a Gisele com a floresta em pé?


Triste de quem é feliz.
Fernando Pessoa


A governamentalidade passa, dentre outras estratégias de subjetivação-dessubjetivação, por encarnar a função que o gozo decepcionante das sociedades espetaculares e de consumo não podem encampar completamente: uma máquina de fazer sorrir. A isto atribuímos a presença da Mega, Ultra, Super Top Model Gisele Bündchen‎ na Comissão Especial do Código Florestal. Desde os gregos, a felicidade foi convertida em tarefa da política, mas a felicidade sem possibilidade de pensamento não pode ser mais que um gozo, um sentimento reativo: não pode nada, senão permanecer no continuum desse gozo. A felicidade, aferida segundo as formas de vida governamentais, normais ou desviantes – pouco importa – implica, em verdade, uma das realizações finais da biopolítica: separando a vida da forma de vida, sacraliza-se não apenas a vida, mas também a forma que essa vida pode assumir; interdita-se o próprio acesso à política, à comunidade, à felicidade.


Discutir o Código Florestal passou a ser tarefa das beldades muito acima dos mínimos padrões que costumam guiar a vida das pessoas “normais” – é preciso ter porte, elegância e um grau de consumo altíssimo – e mais, muito mais: influenciar esse consumo, trabalhar em favor da máquina de produção de felicidade capitalista! Tudo a favor do modelo de Estado de bem-estar social (Welfare State), uma incumbência das políticas governamentais. Propiciar e zelar pelo bem-estar psicológico, a satisfação e conforto em relação à própria vida, é tarefa política, mas não deixa de ser uma das mais atuais estratégias de subjetivação-dessubjetivação dos governos e dos grupos de poder. A despeito de qualquer coisa a engrenagem não pode parar e o índice que mede a felicidade deve ser mantido, o FIB (Felicidade Interna Bruta). Mas felicidade de quem?


Certamente que não aqueles que terão o seu local de vivência, moradia, produção e reprodução dessa subjetividade, franqueado por um Código escrito por estrelas de constelações estranhas ao mundo real. O que saberá a rica Top das quebradeiras de coco do cerrado brasileiro? Da colheita diária do açaí e da piaçava na aurora amazônica? Com certeza pouco, muito pouco. Ainda que se venha discutindo exaustivamente a participação dos principais interessados nas questões que envolvem a floresta em pé, quase nada vem acontecendo na prática – talvez porque os principais interessados de que o Código Florestal não passe de uma receita de cosmético prescrita para “embelezar” o assombro do desmatamento sejam, finalmente, os grandes proprietários de terra, o agronegócio, as mineradoras e todos os que movimentam a bufunfa e riscam a floresta do mapa.


Juliete Oliveira

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Ne me quitte pas



Ne me quitte pas Não me deixes,
Il faut oublier É preciso esquecer
Tout peut s'oublier Tudo se pode esquecer
Qui s'enfuit déjà o que já se foi ( para trás ficou trás)
Oublier le temps Esquecer o tempo
Des malentendus dos mal-entendidos
Et le temps perdu E o tempo perdido
À savoir comment a querer saber como
Oublier ces heures Esquecer essas horas,
Qui tuaient parfois Que de tantos porquês
À coups de pourquoi Por vezes matavam (a golpes de porquês)
Le coeur du bonheure o coração da felicidade
Ne me quitte pas (x4) Não me deixes
Moi je t'offrirai Te oferecerei
Des perles de pluie Pérolas de chuva
Venues de pays Vindas de países
Où il ne pleut pás onde nunca chove
Je creuserai la terre eu cruzarei a terra
Jusqu'après ma mort Até depois da morte,
Pour couvrir ton corps para cobrir teu corpo
D'or et de lumière de ouro e luzes
Je ferai un domaine Eu farei um domínio(Criarei um país)
Où l'amour sera roi onde o amor será rei
Où l'amour sera loi onde o amor será lei
Où tu seras reine onde tu serás rainha
Ne me quitte pas Não me deixes

Ne me quitte pás Não me deixes
Je t'inventerai Eu inventarei
Des mots insensés palavras insentatas
Que tu comprendras que tu compreenderás
Je te parlerai Eu te falarei
De ces amants là desses amantes
Qui ont vu deux fois que viram,duas vezes
Leurs coeurs s'embrasser seus corações se abraçarem
Je te raconterai Eu te recontarei
L'histoire de ce roi a história desse rei
Mort de n'avoir pás morto por não ter
Peu te rencontrer podido te reencontrar
Ne me quitte pas (x4) Não me deixes

On a vu souvent Onde se viu
Rejaillir le feu reacender o fogo
De l'ancien volcan do velho vulcão
Qu'on croyait trop vieux que se acreditava ser muito velho
Il est paraît-il Até parece
Des terres brûlées de terras queimadas
Donnant plus de blé produzindo mais trigo
Qu'un meilleur avril que o melhor abril
Et quand vient le soire e quando vem a tarde
Pour qu'un ciel flamboie para que o céu flambe
Le rouge et le noir o vermelho e o negro
Ne s'épousent-ils pás se casam
Ne me quite pas (x4)

Ne me quite pas
Je ne veux plus pleurer eu não vou mais chorar
Je ne veux plus parler eu não vou mais falar
Je me cacherai là eu me esconderei
À te regarder para te olhar
Danser et sourire dançar e sorrir
Et à t'écouter e te escutar
Chanter et puis rire cantar e depois rir
Laisse-moi devenir deixe-me tornar
L'ombre de ton ombre a sombra de tua sombra
L'ombre de ta main a sombra de tua mão
L'ombre de ton chien a sombra do teu cão
Ne me quitte pas não me deixes

Compositor(es): Jacques Brel/Louigy/Gilbert Becaud/Charles Aznavour/Pierre Delanoë/Francoise Dorin/Edith

terça-feira, 4 de maio de 2010

Hexagrama


tomo emprestado um verso
como podes conhecer tão bem o escuro
nunca mais romance nunca mais cinema
trigramas arrancados à unha
tigre às avessas, árvore na montanha
o movimento que tende a descer
prepara nova primavera
nossa pequena parte, o rio é a estrada
sequer é alegre, destino semelhante experimento
entra como o obus envenenado
antes que a solidão nos venha buscar


Juliete Oliveira
Palmas 04 de maio 2010