Biutiful – um outro nome para a beleza
por Ney Ferraz Paiva
Bertolt Brecht, em “Aquele que diz sim, aquele que diz não”, argumenta, na introdução da peça, provocador como sempre: “O mais importante de tudo é aprender a estar de acordo. Muitos dizem sim, mas sem estar de acordo. Muitos não são consultados, e muitos estão de acordo com o erro. Por isso: O mais importante de tudo é aprender a estar de acordo...” Na verdade, o personagem de Brecht quer dizer que nada pior que estar de acordo, nada pior que balançar a cabeça e se acomodar. Não ser intercessor entre os que pensam e falam. Vivemos em boa parte das ocasiões e situações esse contexto de engolfamento e esvaziamento. Sobretudo por uma característica que nos uni, estarmos todos praticamente exilados nas cidades modernas, qualquer uma. Aí as pessoas se matam, seja na província de Salzburgo de Thomas Bernhard, seja na Salgueiro de Raimundo Carrero, sertão central nordestino. A cidade é uma máquina perversa com seus grupos familiares, amigos, vizinhos, e suas leis e regras infames. Mesmo a vida subterrânea e clandestina em Barcelona. Porque agora não se está de volta a um poema de João Cabral, idos de 1950, em plena e farta modernidade urbana, mas a um filme recente de Yñárritu, “Biutful”, em que o lugar da individualidade, da singularidao qde em face ao crescimento da pressão social em todos os cantos do mundo contemporâneo é mais que asfixiante e nada celebratória. “Papai, como se escreve biutiful?” São 20:10 de uma noite suspensa e superficial , uma noite qualquer que se perderia não fosse o afeto, porque ali o tempo é outro como é outra a língua. O pai tenta arrumar o cabelo da filha. Sabe-se o que acontece quando as mulheres arrumam o cabelo. Mas ali, nos escombros daquela noite quase impossível, nada acontece. Pai e filhos são aspirados pela conformidade de esvtar num lugar que não pode ser casa nem lar para eles. Pouco importa se imaginem comer juntos o menu improvável das praças de alimentação dos grandes shoppings. Se ao saírem pela manhã – ele para o “trabalho” e os filhos para a escola, nada acontecerá, que para eles nada está reservado, a não ser o verniz da indiferença no centro da metrópole. Nada lhes assegura nada. Nenhum evento ou rotina é capaz de arremessa-los para dentro da realidade regulada pelos mecanismos do capital. Assim dissuadidos, nenhum está, sequer tecnicamente, uma vez que ilegais, sob a proteção do Estado. Diga-se: de nenhum de seus mecanismos de proteção. Amanhecer ali à volta do bairro, na remota periferia, é desenterrar-se para logo em seguida sucumbir de vez. Senegaleses, chineses, mexicanos. Da rua para a cadeia e daí para a deportação. Ou: do galpão para o “trabalho” ilegal e daí para a morte. Não há saída, diz-se de novo. Yñárritu grita. Como na “Primeira Elegia de Duíno”, de Rilke: “Quem, se eu gritasse, me ouviria pois entre as ordens dos anjos? E dado mesmo que me tomasse um deles de repente em seu coração, eu sucumbiria ante sua existência mais forte. Pois o belo não é senão o início do terrível, que já a custo suportamos, e o admiramos tanto porque ele tranquilamente desdenha destruir-nos.” Sequer um Mundo Espiritual, uma mitologia, uma esperança – quem sabe o vínculo tênue da poesia com um mundo bárbaro, sinistro, obscuro, onde a palavra “biutiful”, suas redes e circuitos se conectem e se combinem com certa pronúncia ou sotaque, e a beleza volte a ter nome, um certo nome que não seja uma máquina de produzir vazio. E mais do que aprender a estar de acordo, possa se soletrar o ruído do mar, temer as coisas que vivem ali embaixo. E saber que quando as corujas morrem sai uma bola de pelo de seu bico...
uma pedrada na cabeça! Atordoante porque expõe o que está aí e todos fingem não notar! A total indiferença para com os condenados da terra: "As bocas passaram a abrir-se sozinhas; as vozes amarelas e negras falavam ainda do nosso humanismo, mas para censurar a nossa desumanidade. Escutávamos sem desagrado essas corteses manifestações de amargura. De início houve um espanto orgulhoso: Quê! Eles falam por eles mesmos!" (PREFÁCIO a Os condenados da terra, de Franz Fanon Jean-Paul Sartre.Belo texto ao filme. Beijos
ResponderExcluirUxbal é uma personagem perturbadora que nos põe atrás de um outro sentido e de outra lógica que reordene a vida e o mundo. Grande interpretação do Javier e um imenso, poderoso filme!!! e que vimos juntos pensando coisas, revirando-as em nós.
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