segunda-feira, 31 de outubro de 2011


JOÃO PRIMO, irmão, amigo, companheiro


... Clandestino, enterrei teu corpo.
Na cova minúscula – e livre – do meu poema
Onde a cruz silenciou
Teu nome aceso no vermelho, latejando,
Fazendo nascer a manhã sob as pedras.
(Gelson de Oliveira)


O município de Altamira, no Pará, é o maior do mundo em extensão territorial. Localiza-se na maior reserva de biodiversidade do mundo, a floresta amazônica. A região será impactada por um dos maiores empreendimentos hidroelétricos do mundo, a usina de Belo Monte. Em números absolutos tudo ali é gigantesco! É gigantesca também a injustiça social que devora a vida no estado do Pará. Sete são os palmos da terra enlutada pelas centenas de trabalhadores rurais assassinados no estado - só este ano, sete é a soma desses corpos. “Esta cova em que estás, com palmos medida/É a conta menor que tiraste em vida” (João Cabral). Para os movimentos de luta pela terra e pela biodiversidade a questão ultrapassa os coeficientes numéricos: ao  longo dos últimos 40 anos se perdeu, inexoravelmente se perdeu: lideranças, oportunidades, justiça social e energia humana.

Na semana passada foram julgados os dois últimos assassinos de uma chacina ocorrida há 26 anos, em São João do Araguaia. Essa soma de anos eu a multiplico pelo assombro de ter visto as fotos dos corpos, inclusive de crianças, durante um encontro de jovens ocorrido um anos depois em Marabá. Na época a chacina foi denunciada com um número maior de mortos do que o divulgado pela polícia militar - e as fotos confirmavam a visão terrível. Ainda bem jovem, muita coisa eu não compreendia, contudo a injustiça e a impunidade impostas à região pelos idos de 1985 fez-me desenhar uma trajetória de inconformismo e um senso de justiça que me conduzem até hoje. Em “Breve Meditação sobre um Retrato de Che Guevara" Saramago diz: “Che Guevara é só o outro nome do que há de mais justo e digno no espírito humano. O que tantas vezes vive adormecido dentro de nós. O que devemos acordar para conhecer e conhecer-nos, para acrescentar o passo humilde de cada um ao caminho de todos”.

João Primo, irmão, amigo, companheiro da terra, assassinado no último sábado em Miritutuba, município de Itaituba-PA, era mais um defensor da natureza que alinhava seus passos e ações ao pensamento moderno do coletivo, do sustentável, do ecológico (no sentido mental e ambiental) na Amazônia. Seu nome agora se soma aos que no passado e no presente honram a mesma bandeira: Gabriel Pimenta, Chico Mendes, Paulo Fonteles, Família Canuto, Manuel Gago, Brás, Expedito, Dorothy, os 19 da fazenda Macaxeira, José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo. Mortos por conta do descaso e  omissão do poder público. A luta pela terra na Amazônia deixa ainda rastros de sangue por tantos caminhos. São os passos ativos da coragem, da ousadia, das ações em defesa da comunidade, do território, da justiça e da vida. E eles prosseguem.



Juliete Oliveira
Salgueiro – PE, 31 de outubro de 2011
imagem: Ricardo Rezende

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