quinta-feira, 26 de maio de 2011



A BALA NA CABEÇA – O CORAÇÃO NA FLORESTA

O meu trabalho é em prol da floresta. Eu defendo a floresta em pé e seus habitantes em pé. Mas devido esse meu trabalho eu sou ameaçado de morte pelos empresários da madeira, pelos camaradas que não querem ver a floresta em pé. E isso tem me causado problemas porque quando se fala da vida a gente quer permanecer vivo, igual eu luto pela floresta viva. – José Claudio Ribeiro da Silva

Bertold Brecht, mas poderia ser Dante ou ainda Shelley, cada um pensou ser a sua cidade o próprio inferno. Pelo que se pode consignar no necrológio dos que são mortos no campo no Estado do Pará, bem se poderia afirmar que o inferno é ali. Homens e mulheres, trabalhadores e lideranças rurais, mortos de tocaia, na floresta, ou mesmo na cidade, em plena luz do dia. Executados para que uma próxima vítima seja morta ao amanhecer. Numa rotina macabra, amanhã e depois, sem que nada se faça, nem a justiça, nem os dirigentes do Estado. Omissão, covardia, ilegalidade. E terrorismo. Uma vez que sempre se está na linha de tiro: quem ousa contrariar grileiros, madeireiros, latifundiários e seus escusos negócios. A isso se soma a desolada e empobrecida paisagem dos assentamentos, vilas e pequenas cidades do sul e sudeste do Pará. Isso é o que se pode consignar, em resumo, dos enredos fatídicos que se desenvolvem e se avolumam – pelo que vimos ainda ontem o desdobrar de mais um capítulo. Estão mortos os líderes extrativistas José Cláudio e Dona Maria. Como sempre se dá ali, mortes para lá de anunciadas, que se juntam a uma herança de violência, perseguição e terror. A lógica da devastação da Amazônia e sua ocupação desastrosa, sob todos os aspectos. A morte de um castanheiro e de sua mulher, numa emboscada, antecedida pela decisão da Ministra do Meio Ambiente de que se intensificaria o cerco aos desmatadores da floresta – um empreendimento criminoso que só faz crescer, e que, às vésperas da aprovação do fatídico Código Florestal pelo Congresso, se intensificou a um número intolerável. A sinistra atuação da bancada ruralista para ver homologada em lei a mais perniciosa jurisprudência ambiental, fora de qualquer proporção com a realidade problemática que já vive o campo e a cidade, garante ainda mais espaço para quem arruína, devasta e, por vezes, mata ou manda matar; pois bem, essa bancada, pode ainda, num misto de insanidade e despreparo, vaiar o anúncio dos assassinatos de José Claudio e Dona Maria, feito no plenário do Congresso. Culpados pela sua própria morte. Foi assim com Gabriel Pimenta, Paulo Fonteles, Chico Mendes, João, José e Paulo Canuto, Josimo Tavares, Expedito Souza, Braz Oliveira, Ronan Ventura, Dorothy Stang. Quantos mais? Como coadjuvantes, vagam de cidade em cidade, a serviço de todo e qualquer crime, passando da intimidação até o assassinato, jagunços, capangas e pistoleiros a executar a descomunal obra de violência, em nome de uma “elite” que se instaura no campo e na cidade, quase sempre ao preço do sangue e do serviço escravo. Aonde encontrar o correspondente legal para o dogma da pistolagem e de seus mandantes? Sabe-se que aonde quer que se dê dinâmica à omissão, conivência e impunidade, aí se chega ao limite derradeiro, e o mal se encarrega de fazer o resto. Há uma parcela de responsabilidade da grande mídia em tudo isso, sobretudo quando ela “franqueia” espaço aos poderosos para que se manifeóprias, contra tudo e contra todos. Uma imprensa assim só stem, surpreendentemente se tornando até “colunistas”, ainda que sempre saiam em defesa das causas prpode dar os ingredientes indispensáveis para a confecção de uma análise despersonalizada em torno de uma realidade que segue incompreendida e negligenciada – o Norte do Brasil –, em face aos clichês das abordagens, dos comentários despropositais e da apatia crítica. A imprensa na Amazônia, ligada a grupos políticos e empresariais, não tem interesse em fazer ecoar uma fala como a de José Claudio sobre os madeireiros da região, ainda que ela corresponda a atos criminosos facilmente verificáveis. “Eles compram madeira de um colono a um preço irrisório, barato demais, e vendem caro no mercado. Eles falsificam documentos, porque eles não têm guia completa, mas arrumam um jeitinho. Vão minando um, vão minando outro e assim por diante eles vão fazendo o mercado ilegal. Eles são os cupins da terra.” Os “cupins” que assomam a Amazônia parecem constituídos para durar uma eternidade. Entre eles partidos políticos como Democratas (DEM) que desenvolve a prática do lobby nos tribunais de justiça a favor de fazendeiros criminosos, e que contesta os direitos das comunidades tradicionais pela terra, intensificado o conflito agrário e suas consequências sociais danosas. José Claudio, Dona Maria e todos mais – um a um os vimos tombar em meio a essa luta. Um combate que em Brasília não parece nunca demais: os povos da floresta têm que suportar sempre um pouco mais. A sua história violenta e trágica que, ao que se demonstra, não diz respeito às autoridades legais. O Estado nem de longe fez a sua parte para proteger e garantir a vida ameaça de José Claudio e Dona Maria. É que somos um país injusto, que viola indisfarçadamente a vida e os direitos humanos. E as lendas constituídas pelas estatísticas econômicas e financeiras contadas por Ministros bem intencionados, vestidos em seus ternos Armani, não definem e abarcam o infinito território das desigualdades sociais, Brasil afora. Se o terrorismo no campo impede alguns de sobreviver, há muito mais que luto, medo e morte. Daqui não se recua. Não se boicota a todos os demais, uma vez que não se pode bloquear as ações coletivas em defesa da floresta e do bem comum. Bastantes, intensas e diárias. A farsa, o desmando e a omissão da justiça e do Estado se tornam evidentes num momento como este – em que a bala, o sangue e a imensidão devastada da floresta deixam de ser apenas uma referência distante e imprecisa de fatos e lugares para nos trazer de volta, atônitos e perplexos, ao coração da floresta, guiados pela indignação e pela vontade desejante de justiça.

Ney Ferraz Paiva

3 comentários:

  1. O texto descreve bem o que ocorre em nosso estado e em geral na Amazônia, espero que um dia, que não muito distante, isto possa mudar, para que possamos nos orgulhar de dizer que somos Paraenses e também brasileiros, enquanto isto, só posso me indignar e ter vergonha de tudo isto.

    Roberto Caxias
    Belém/Pa

    ResponderExcluir
  2. Compartilho das mesmas posições, Roberto. Há muito o que ser feito no Pará para que seja um Estado socialmente justo, com garantias legais para a vida e a cidadania, nas cidades e no campo. Abraços

    ResponderExcluir
  3. A atitude é sempre caricatural quando uma liderança é morta na Amazônia, como vimos em Dilma e no Governador do Pará, Simão Jatene. O Estado hierarquizado e o poder repartido entre velhas e novas oligarquias segue omisso e pior: continuará colaborando e promovendo o conflito. Os povos da floresta opoem ao Estado outros modelos de produção, outro dinamismo à ocupação da terra, uma ambição coletiva de gerir os recursos da floresta.

    ResponderExcluir