quinta-feira, 24 de março de 2011


AS MÃOS SUJAS DA LEI


Em alguns casos, como as situações revolucionárias ou, mais frequentemente, as de emergência, as estruturas profundas são escavadas pela ação coletiva e tornam-se, elas mesmas, a superfície da prática. Quando Boaventura de Souza pensou nas estruturas profundas falava em torno do direito e é também a essa plataforma que recorremos aqui para buscar entender a decisão do Supremo ao julgar a aplicabilidade da lei da ficha limpa. Ela que é resultado de ação coletiva e que durante décadas foi obrigada a permanecer submersa no grande útero do tribunal, impedida e adiada de prosperar, como outras leis e decisões favoráveis ao interesse público, leis supostamente mortas, como na parábola de Kafka das armas de crianças, impotetentes e bloquedas pelo poder maior da política, que nunca "brinca" em serviço.

Considerando o povo leigo, sem informação de causa ou mesmo quase asno na questão, a maioria dos juízes votaram contra essa vontade popular urgente e imediata de ver os homens de mácula excluídos do processo eleitoral. O argumento do ministro Gilmar Mendes considerou inconstitucional aceitar a aplicação da lei no mesmo ano de sua criação, o que segundo ele caracterizaria uma mudança das regras em pleno jogo eleitoral, desde sempre de cartas marcadas e trapaças grosseiras. Comprar voto, praticar corrupção (inclusive televisionada), entregar-se a improbidade administrativa de toda ordem, não fere a Constituiçã?

Impedir indivíduos como Jáder Barbalho de assumir uma cadeira no senado federal pelo estado do Pará, nem precisando acessar turva biografia pra se saber de quem se trata, é ferir a Constituição quando e em que tempo, senhor ministro?

Ao que parece essa decisão se ajusta à noção de poder numa determinada concepção normativa de interesses frívolos e escusos, que ferem a vontade coletiva da sociedade brasileira. O jogo bem jogado, aparentemente esgotados todos os lances, pra nosso azar e sorte do oportunismo jurídico. Observemos que a nova ética não é antropocêntrica, nem individualista, nem busca a responsabilidade pelas consequências imediatas. É uma responsabilidade pelo futuro. É de uma ordem muito mais vital que se trata, o da amplidão das possibilidades institucionais e sociais de uma nação que mais uma vez se macula. Prorrogada para a próxima eleição, até que lá as coisas se ajeitem mais uma vez aos modos dos fregueses mais abonados nos tantos tribunais. Ninguém mais se engane somos por definição contrária uma democracia de fichas e mãos sujas.


Juliete Oliveira