sábado, 16 de outubro de 2010

Se os homens engravidassem, o aborto seria um sacramento. (Florynce Kennedy, advogada e feminista americana, revista Ms., Março 1973).
Ao ser questionada por um amigo português sobre as eleições no Brasil, no primeiro dia após o primeiro turno, disse-lhe que a minha candidata infelizmente não conseguiu votos suficientes que a levassem ao segundo turno, ele por sua vez, perguntou-me qual era, pois, a minha opção para o segundo turno. Respondi que a outra candidata que permanecia na disputa, por duas razões: primeiro por ser mulher e segundo, por ser a continuidade do governo atual. Ele se disse surpreso, por eu tão naturalmente verbalizar isso. Disse-me que em Portugal a questão da violência contra a mulher é uma rotina, é colocada como algo aceito e pouco ou quase nada discutido.


Temos no Brasil uma equivalência entre homens e mulheres, e em alguns casos uma superioridade de números em relação à mulher: já temos hoje, um número maior para elas nas universidades, no ensino médio, a ocupar algumas áreas do mercado de trabalho como é o caso da educação, e ainda, em alguns estados e municípios o número de eleitores dividido por gênero, o maior é para o sexo feminino.


Em compensação, ou melhor, operando na contramão temos: Em dez anos, dez mulheres foram assassinadas por dia no Brasil, média que fica acima do padrão internacional. A motivação geralmente é passional. Estes são alguns dos resultados do estudo intitulado Mapa da Violência no Brasil 2010, realizado pelo Instituto Sangari, com base no banco de dados do Sistema Único de Saúde (DataSUS).


Esses não são os únicos números a ilustrar o mapa da barbárie no Brasil. Há ainda uma considerável perda de vidas femininas por razões outras, como é o caso do aborto, que virou a vedete das campanhas eleitorais, tanto da situação, quanto da oposição. Ora vejamos uma questão que diz respeito unicamente à mulher e o seu corpo é colocada na berlinda como algo responsável por decidir a vida da nação. O que está implicado nisto são as condições dada à mulher para que ela tome essa decisão, cabe à gestão pública garantir condições a ela para que no caso de decidir por levar a gravidez ou não à diante, o faça com segurança.


Até que ponto é possível se fazer uma leitura de seriedade diante destes fatos? Os nobres candidatados perdem uma oportunidade impar de mostrar inteligência, conhecimento e de se solidificar como alguém sério e realmente comprometido com a gestão pública, entornam o caldo ao se envolverem com questões religiosas e de cunho machista, nesse caso nenhum dos dois estão defendendo as mulheres, não estão pensando em nenhum momento na segurança e bem estar do grupo, estão apenas se aliando ao que existe de mais atrasado e preconceituoso nesse país.


Luta-se hoje pelas mulheres no poder político, nos lugares de tomada de decisão por ser necessário usufruir de poder para mudar o que está em desequilíbrio, ou tão só porque as mulheres existem e têm o direito de lá estar. Com os homens, em paridade. A democracia paritária parte desta assunção. Quem aí viu algum dos candidatos lembrarem os números da violência contra a mulher? Ou ainda recordar, mesmo que a título de lembrança que estamos completando um século de luta pelos direitos femininos?


“Eu tô grávida / Grávida de um beija-flor / Grávida de terra / De um liquidificador / E vou parir / Um terremoto, uma bomba, uma cor / Uma locomotiva a vapor / Um corredor... “ (Analdo Antunes).


Juliete Oliveira
imagem: Francesca Woodman
Salgueiro/PE

4 comentários:

  1. Parabéns pelo seu post, Juliete! Sua reflexão não poderia ter sido mais madura,contundente e certeira, quem dera todos a tivessem assim. Importante que acreditemos em um futuro melhor e digno, especialmente para nós, mulheres. Sigamos na fé!

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  2. Querida,

    Não tenho seu talento para escrever...mas vou colar uma resposta que dei dia desses para esses e-mails antipáticos que recebemos revelando a hipocrisia e facismo de muitos...
    Lerei seu blog..como disse, vc me deixa boquiaberta com seu singular talento como escritora.

    Bjos!!

    Prezado Fabrício,

    Concordo em parte com o que escreve. Também acho uma invasão de privacidade eletrônica o encaminhamento de mensagens, muitas vezes, de cunho fantasioso e inverídico, em apelo neurótico de convencer o outro das próprias convicções. Ora, cada um de nós deve saber em quem votar e deve respeitar o direito de voto alheio.

    É difícil acatar e respeitar as diferenças, não?! Talvez por isso tantas blasfêmias e "fofocas" eletrônicas.

    Noto que a sociedade se perde com o q ue imagina ser democracia, principalmente quando observo apelos neuróticos nas ruas com agressões verbais e panfletagens que denotam, no mínimo, falta de amadurecimento pessoal.
    Pessoas deixam de se falar justamente porque tem posicionamentos políticos diferentes...quanta pequenez!!

    Da minha banda, não me incomodo nem um pouco com os votos alheios. Tenho minhas convicções pessoais e claro, embasadas em fatos históricos, leituras de fontes respeitáveis e observação de comportamentos e resultados. Nem por isso tenho a arrogância de achar que a verdade está comigo.
    Lamento apenas que a pouca educação de restrito acesso para a população brasileira prejudique as conclusões e abale a próprio conceito de democracia, permitindo, por exemplo, que a força publicitária - cara e elitista - garanta sucesso em eleições.

    Creio que todos se incomomodam muito com o ABORTO. Até o novo Papa quando veio aqui só tinha essa preocupaçà £o ( esquecendo-se das questões sociais severas enfrentadas em um país com desigual divisão de rendas e de concessão de oportunidades).

    Apesar disso atrevo-me a indagar o óbvio: não seria a corrupção pública a maior mazela do nosso país?
    Creio que a decisão pelo aborto, a forma como educar os filhos, e a decisão em quem votar sejam decisões de cunho PESSOAL e FAMILIAR, fundamentadas por razões de saúde e outras QUE NÃO SÃO DA MINHA CONTA.

    Quero dizer que muito me incomoda quem me envia e-mails, sinceramente, não esse, mas outros, como por exemplo, do medíocre Arnaldo Jabor ( maldizente de plantão da sorte brasileira, todavia, sem uma solução sequer para um mínimo problema) e outros tantos que querem me ensinar em que devo votar. Também concordo que a hipocrisia da sociedade é muito grande. Fulano pode ser um pilantra, corrupto, dedicado as interesses estrangeiros, mas, se empunha uma bandeira contra o aborto será um cristà £o verdadeiro. Ora, uma pessoa esclarecida não se deixa levar por tal falácia!!

    Da minha parte, não incomodo ninguém com isso. Mas, desta vez quis responder a todos, só intrigada nesse aspecto. Por que tantos HOMENS querem decidir sobre o ABORTO? Por que se fala tanto nisso e há um silêncio intrigante sobre tantas denúncias de desvios de dinheiro público e contratos administrativos fraudulentos ?? Por que tanta agressividade e pouca persuasão lógica nas discussões políticas??

    Eu pergunto, principalmente aos homens que se posicionam contra o aborto, quantas crianças morrem de FOME e nos leitos do hospital ( ou ainda, muito antes de ter acesso a um mínimo atendimento médico) porque as verbas para tanto foram desviadas?? E penalizada será a pobre coitada que aborta em clínicas clandestinas e morre à mingua ( previamente condenada pelos CRISTÃOS que atiram a primeira pedra sem dó nem piedade).

    É isso. Não gostaria mais de ser incomodada, tampouco de incomodar. Mas, precisava dizer isso. Precisava dizer que ser HUMANO é mais do que ser ligado a essa ou aquela religião e principalmente, é saber ser tolerante e respeitador com as diferenças, sem a pretensão de sermos os donos das virtudes e das verdades. Talvez eu não seja cristã, não nesse sentido popular que atribuem ao termo, porque não tenho pretensão de ser mais virtuosa do que ninguém.

    Saudações,

    Graziela Reis

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  3. É uma grande honra estar em seu blog!! Obrigada por ter feito constar meu comentário.

    Veja, também votei na Marina e voto agora na Dilma. Tenho sofrido com esse jogo midiático sujo e com a mediocridade que impera no mundo eletrônico. Sua análise foi muito lúcida. Perdem a oportunidade de um debate amadurecido...a publicidade - cara e elitista - dita o retrocesso.

    Sigamos assim, no conforto das letras, tentando avivar o espírito, sofrido pelo desalento que traz a insensibilidade alheia!!

    Beijos!!

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  4. No século XIX, vários antropólogos, e até um eminente teórico do socialismo moderno, acolhendo as idéias de Darwin, defenderam a existência num tempo remoto da humanidade do sistema do matriarcado, uma organização social inteiramente predominada por mulheres. A hipótese matriarcal surgiu em 1861, quando o suíço Johann Bachofen sugeriu a existência de sociedades matriarcais na pré-história. Suas idéias influenciaram fortemente antropólogos e arqueólogos do final do século 19 e começo do século 20.
    Seguindo essa linha de raciocínio, eu nada mais julgo que verídico a forma de pensar, agir, ver e decidir que as mulheres tem sobre nós homens, são bem mais superiores.. e você é uma delas Juliete Oliveira!

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