sábado, 6 de março de 2010

A pedra como representação do corpo
Talhar uma mulher na pedra para não ter mais dúvidas da obediência das mulheres, essa fala retirada do discurso de Katharina Luther, reproduz o discurso imaginário de seu marido Martin Luther no livro “Se você tivesse falado, Desdêmona – Discursos desenfreados de mulheres desenfreadas” de autoria da alemã Chistine Brückner, publicado no Brasil pela editora Paz e Terra. Observando o comportamento de algumas mulheres e ainda, sendo mulher, me pergunto, se nós ao invés de sermos, como quer o universo bíblico, cria de uma costela – algo frágil, delicado, delgado – não sejamos mesmo, feitas de pedra, não pela conotação de dureza/frieza a que a palavra “Pedra” nos remete, mas pela resistência. Essa capacidade de suportar e aí inevitavelmente eu chego ao João Cabral de Melo Neto e em seu livro “A Educação pela pedra”: Uma educação pela pedra: por lições; / para aprender da pedra, freqüentá-la; / captar sua voz inenfática, impessoal / (pela de dicção ela começa as aulas). / A lição de moral, sua resistência fria ao que flui e a fluir, a ser maleada; / a de poética, sua carnadura concreta; / a de economia, seu/adensar-se compacta: / lições da pedra (de fora para dentro, / cartilha muda), para quem soletrá-la. Aqui, também se encontra a metáfora para o emudecimento feminino ao longo dos tempos, a resistência concreta, a economia, seu adensar-se, tornar-se cada vez mais densa, ser moldada, se deixar moldar. Resistir, resistir... Na América Latina e Caribe, a violência doméstica atinge entre 25% a 50% das mulheres; Uma mulher que sofre violência doméstica geralmente ganha menos do que aquela que não vive em situação de violência; A cada cinco anos, a mulher perde um de vida saudável se ela sofre violência doméstica. Dados do Instituto Patrícia Galvão. Qualquer semelhança não é mera coincidência, contudo, é preciso que nos vejamos nesses números para que possamos sair um pouquinho da nossa condição de pedra – nesse caso, da imobilidade e mudez da pedra – e, não apenas nesse, é preciso que sejamos um pouco água, que de acordo com o conhecido ditado popular “em pedra dura tanto bate até que fura”. E já que assumimos facilmente a forma de água por mineralmente fazer parte dela, sejamos também invasivas, tomemos para nós o que nos cabe, na tentativa incessante, de promover o descolamento da mulher do lugar binário em que ela foi depositada, como uma garantia da sociedade falocêntrica. E ainda parafraseando Derrida “potencializar a própria diferença que passa a ser diferença que produz diferença, e não apenas diferença depositada numa dualidade”. A sociedade, sem demagogias, precisa de pessoas, sejam elas homens, mulheres, crianças, negros, brancos, e não de um sistema partido ao meio, tal como se observa hoje, em que é necessário se criar toda uma política de gênero, de cor, de grupos, forçando uma alegoria do esforço individual de integração da racionalidade econômica e da identidade cultural para a “ação democrática”, criando as condições institucionais da liberdade do sujeito. Para a psicanálise, a diferença sexual continua sendo um dos seus mais complexos dogmas: a psicanálise vai estabelecer que a diferença anatômica dos sexos delimita as diferenças. Não seria o caso de nos perguntarmos se essa definição por si só bastaria para suportar toda uma realização de sentido efêmera que não se garantiria para além da simples representação colada numa figura corpórea? Para essa representação Foucault desenvolve uma economia política do corpo, um corpo definido em termos de materialidade, isto é como matéria inclinada a experimentar uma variedade de operações simbólicas e materiais: deve fazer-se dócil, submissa, erótica, utilizável, produtiva, maternal e etc. Lembremo-nos das mulheres africanas que deverão experimentar essa economia do corpo em período de copa do mundo, um dos maiores espetáculo do capital e nos transformemos em fogo para queimar os funcionários da verdade; os burocratas da revolução, os terroristas da teoria e os lastimáveis técnicos do desejo.

Juliete Oliveira
março 2010

Um comentário:

  1. Juliete, seu texto merecia estar em revistas, jornais... para o bem de quem pudesse ter acesso a ele... muitas são as mulheres, mas poucas são as vozes femininas.

    Gostei muito de te ler aqui.
    Um espaço para ser explorado de peito bem aberto.

    Obrigada, e um grande abraço.

    Katy.

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