sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

a cova não contém



não contém o meu espírito de acender raios
não contém meus braços de árvore
não contém minha semelhança de nuvem
não contém meus delírios de parturiente
não contém minha insistência de semente
não contém a minha pele escura
não contém minha vulva
não contém minha sabedoria de relâmpago
não contém minha serpente impaciente
não contém minha verdade de terra
não contém língua & desejo
não contém meu canto de outro tempo
não contém promessas de ouro
não contém o desconhecido vindouro
não contém a consciência do instante livre
não contém meus olhos de aurora
não contém o que sei & o que não sei
não contém o que escuto do vento
não contém meu grito de sangue antigo
não contém espectros da noite
não contém os segredos dos cantos que entoei
não contém o ontem & o agora
não contém a bravura cerrada em meus dentes
não contem o escuro do meu lamento
não contém o testemunho arenoso do que sou
não contém a ladainha em sétima solidão
não contem a renúncia escrita em idiomas imortais
não contém as festas & os desafios dos meus passos
não contém uma colheita de devires
não contém a aridez de campo sem flores
não contém foice & martelo
não contém a garganta & seu grito
não contém pés descalços no orvalho da liberdade
não contém o corpo e sua mortalidade
não contém as silabas da justiça
não contém o suor da lavoura
não contém o sulco no solo
não contém a morte & seu deposito
não contém todas as cores & sua cronologia
não contém querer & igualdade
não contém o justo & seu olhar infinitesimal
não contém a pele & suas planícies
não contém nos matar.
não contém, não contém, não contém.

Juliete Oliveira
Palmas-TO, janeiro de 2019
Imagem: Sebastião Salgado