sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Governar é criar desertos


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Nunca me fez tanto sentido a leitura das teorias existencialistas, como nos dias que correm, nos meus 47 anos de vida e os aproximados 30 de lucidez, nunca senti tão presente as angústias, desesperos da existência, alertados por Sartre e Heidegguer, quanto agora. A fala de Eduardo Viveiro de Castro, a quem tenho profundo respeito e admiração, é tudo o que gostaria de ler e ouvir em referência ao fatídico incêndio no Museu Nacional, ou ainda ao desaparecimento histórico do Brasil.

A vida significada, ressignificada, que faça sentido só é possível por meio de elementos que a justifique, é assim para a arqueologia, antropologia, biologia, história, geografia, linguística e todas as vertentes científicas que são capazes de, com as suas asas fornecer subsídios para que os acontecimentos ganhem significados, aos olhos, ouvidos, tatos e olfatos das pessoas. Perder um acervo como o do Museu Nacional é perder um oceano de possibilidades e jogar por terra a vida de centenas de milhares de pesquisadores, lembro aqui da letra do Gonzaguinha: Um homem se humilha /  Se castram seu sonho /  Seu sonho é sua vida /  E vida é trabalho /  E sem o seu trabalho / O homem não tem honra /   E sem a sua honra /  Se morre, se mata /  Se morre, se mata  / Não dá pra ser feliz (…). Bem adequada ao sentimento comum a uma boa parcela de pessoas que entendem a magnitude do que se perdeu: Não dá pra ser feliz!

Isto é existencialismo, pelo menos é o que se aproxima, na minha rasa compreensão, questionar a razão de tudo isto, e a minha própria razão aqui, agora, neste lugar. Sei que para a maioria das pessoas isto não fará sentido algum. Mas sei que por menor que seja a sensibilidade nas pessoas podem sentir a esterilidade na relação com as coisas, com o que importa – embora a semântica do termo importar (ser importante) esteja deslocada, pareça diferente, esteja mais individual, egoísta, autorreferente, aesthetics. Podem sentir um imenso oco, buraco, vazio que evolui para um soco no estômago, é orgânico mesmo, assim como era orgânico o Museu, um imenso organismo a contar a história de todos nós, uma velha avó sentada sobre as suas pernas transformando em narrativa os meios que nos trouxeram até aqui. A avó foi morta a machadadas, o arado de criar desertos decepou-lhe a cabeça.

Quando Viveiros de Castro diz que no Brasil governar é criar desertos, ele fala do ponto de vista de quem já assistiu muita morte de narrativas essenciais para fundar outras narrativas, fala do lugar de quem também recebeu o soco no estômago sem chances de revidar. Quando defende que o local permaneça como ruína, memória das coisas mortas. Considera que a morte de uma Avó/Museu é o fim. Estamos fadados a matar as avós, silenciar as suas narrativas, estamos existencialmente estéreis.

Palmas-TO, 06 de setembro de 2018
Juliete Oliveira