“Sabemos que a fome é mortal”, dizia o padre Camilo Torres.
“E se sabemos disso, tem sentido perder tempo discutindo se a alma é imortal”?
Camilo acreditava no cristianismo como prático do amor ao
próximo e queria que esse amor fosse eficaz. Tinha a obsessão do amor eficaz.
Essa obsessão o levantou em armas e por ela caiu, num desconhecido rincão da
Colômbia, lutando nas guerrilhas. (Eduardo Galeano, Memórias do Fogo, Vol. I: O
Século do Vento, 1988).
O que além de sentimentos como estes deveria nos mover em
favor de resolver problemas coletivos e que no final afetam a todos? A fome
como finalidade é apenas o resultado de uma séria de fatores que corroem a
humanidade. Claro está que ela não se atrela unicamente a ausência de
alimentos, mas é até senso comum afirmar, a má distribuição deles. Utilizo este
preâmbulo para chamar para atenção a temas que nos últimos meses vem se
tornando cada vez mais corriqueiros e até comuns, já que não fazem muitos anos a
situação era igual, ou um tanto pior: a violência no campo.
Pode até ser coincidência, mas desde que o Brasil voltou a
ser um lugar inseguro ao exercício das liberdades individuais e coletivas, um
lugar onde já não é mais possível se prever garantias ao bem comum, os
conflitos, assassinatos e massacres daquele que sempre foram vítimas da mão
audaz do estado e dos que estão sob a sua permanente proteção, voltou a ser
algo bem provável de acontecer a qualquer momento.
O estado do Pará, palco de inúmeras histórias de violência e
exceção de direitos, lugar em que o que vale é o quanto se pode pagar para
financiar extermínios de pessoas. Quando falo de pessoas leiam, líderes
comunitários, sindicais, religiosos, trabalhadores rurais sem terra, índios e
todos aqueles que de certa forma estão a serviço da garantia de direitos, da
justiça social, da igualdade.
A aritmética da cultura da violência no campo pode ser
assustadora, mas não deve ser paralisante, deve servir como um ativo de
indignação, inconformidade. 9 mortos nesta quarta feira em Pau d’ Arco, pequeno
município do estado Pará, não é apenas mais um número é o desperdício de
energia, de vidas, é o fortalecimento de grupos que se mantem no poder graças
ao poder de fogo, que mesmo em governos mais democráticos, como o que tivemos
nos últimos 12 anos – até 2016 – , se mantiveram como donos dos outros, é só observar
as estatísticas do trabalho escravo, feitas pelo Ministérios do Trabalho no
período.
Obvio que o que está ruim pode perfeitamente piorar, com
relação à política de distribuição de terras e reforma agrária, tudo piora
sempre. Agora foram 9 em Pau d’ Arco, mas uns tantos no estado do Mato Grosso,
este indígenas. Quantos mais? Pergunto-me. Até que possamos ser maduros o
suficiente para compreender que a distribuição de terras e o fortalecimento de
políticas públicas para o setor, que não sejam as que já possuímos, enquanto
estado, as do agronegócio, poderão perfeitamente resolver o problema da fome,
não apenas a fome orgânica, mas as outras configurações de fome que possuímos,
de conhecimento, de tecnologias sociais adequadas aos diferentes grupos, de
modernidade e tudo que ela pode representar em matéria de liberdade.
A impressão mais forte que fica é de que em que pese termos
avançado tanto, agora andamos para trás, não como um exercício saudável de
desconstrução e reterritorialização, mas como um distanciamento do que alcançamos
para nos tornar um tanto bárbaros, aculturados, analfabetos.
Juliete Oliveira
Palmas/TO, 25 de maio
de 2017