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Com quem anda a democracia? Quem são os seus fiéis detentores? Em que
solo pisa a senhora democracia? Não mexe comigo,
que eu não ando só, / Eu não ando só, que eu não ando só. / Não mexe não!
(Maria Bethânia). O trecho da bela canção de Bethânia nos fala das boas
companhias de quem não anda só, durante muito tempo a palavra democracia foi um
xingamento por caraterística de origem, em que, nem todos, estavam abrigados no
seu guarda-chuva. O famoso discurso de Péricles que sugeriu pela primeira vez ser a
democracia o governo “do povo, pelo povo e para o povo”, o que poderia ser
traduzida por: a distribuição equitativa do poder de tomar decisões coletivas e
o julgamento dos cidadãos quanto ao processo de tomada dessas decisões e os
seus resultados. A democracia nunca esteve só!
É por aí que anda a democracia? Nos tempos que correm,
ela se transformou por herança de décadas anteriores, em uma espécie de objeto
colonizado do discurso individualista. “Os códigos fundamentais de uma cultura
— aqueles que regem sua linguagem, seus esquemas perceptivos, suas trocas, suas
técnicas, seus valores, a hierarquia de suas práticas — fixam, logo de entrada,
para cada homem, as ordens empíricas com as quais terá de lidar e nas quais se
há de encontrar. ” (Michel Foucault – As Palavras e as Coisas). É
democrático ter acesso a bens de consumo, é democrático ter um comportamento
fora dos padrões, é democrático criticar esquemas que oferecem direito a
políticas públicas, ou ainda, a própria existência destas, como viés de acesso
para grupos antes negligenciados. É democrático, não ser democrático. Ainda com
Foucault, a relação da palavra com o signo é uma relação infinita. Não que a
palavra seja imperfeita e esteja, em face da representação, num deficit que em
vão se esforçaria por recuperar. Só que o signo, foi por assim dizer, capturado
pela experiência do “real” em que segundo Jacques Rancière, a democracia não
representaria mais liberdade e igualdade junto as instituições de estado, mas
seria encarnada nas próprias formas de vida material e de experiência sensível.
Ora pois, se o signo que antes era a mais alta
representação de abrangência e isonomia, não sem antes passar por intermináveis
testes de adaptação cultural, e ser, ele mesmo, responsável por derivar e
sustentar mudanças “culturais”, passa a ser uma mera referência a preferências
e gostos individuais, há algo de muito doentio em todo o resto. O que se
observa, é o esvaziamento literal do que quer, de fato expressar a palavra
democracia, se avizinhando da conveniência, das influências, das paixões,
oferecendo margem para energias febris que se ativam na cena política,
desviando-a para a busca da prosperidade material, da felicidade privada e para
os laços societários, já conhecida de Aristóteles a partir de Lisístrata em a
“A greve do sexo” de Aristófanes, que busca neutralizar as formas de interação
social mais afeitas à efetivação do estado democrático de direito. Essa verdadeira
promoção do que é privado e individual, promovida pela mídia, sobretudo, tem o
efeito devastador de tornar os cidadãos indiferentes ao bem público e minar a
autoridade de governos, desviando as atenções do poder instituído paras
responder demandas reiteradas que emanam da sociedade.
Em O ódio à democracia Jacques Rancière explicita
o paradoxo democrático tido por alguns especialistas como “o reino dos
excessos”, que leva a ruína o governo democrático. Opa! Não é, a algo assim que
estamos assistindo? Uma enorme quantidade de garantias para individualidades –
sobretudo, para aqueles que se setem aptos a pagar por qualquer coisa –, em
que, tudo absolutamente tudo, é colocado à serviço de garantir direitos, a quem
já tem todo direito. Ainda há pouco, uma das maiores iniciativas da sociedade,
na tentativa de frear um pouco, a insaciável sede de poder de determinados
grupos políticos: a “Lei da Ficha Limpa”, foi classificada por um dos maiores
jurista brasileiro, como o resultado do trabalho de bêbados.
Lembro muito bem, de toda a energia empenhada pela
sociedade organizada para reunir assinaturas que levassem o Projeto de Lei a
ser votado nas instâncias necessárias a sua legalização, não foram poucas
campanhas publicitárias, na mídia alternativa, para arregimentar cerca de 1,4
milhão de assinaturas e patrocinado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e
pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), duas instituições que
ainda gozam de certo respeito e respaldo para se posicionarem quando é
necessário garantir direitos democráticos.
O emparedamento da democracia a coloca como um apetrecho
que é portado por políticos de toda monta. De tanto ser usada como referência
até mesmo do que ela não representa, se transformou em um espelho que reflete
ao contrário, uma similitude mal confeccionada de si mesma. Com voracidade essa
democracia é consumida em equivalência, ou afirmação ilimitada de poder
material e regurgita ingenuidade ou cinismo para fortalecer os indivíduos
democráticos e seus processos de legitimação
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