À Tarsila Estrela e Francisca Barros
Conheci alguém que me falou muito de ti, do teu gosto
pela ajuda, da crescente necessidade em promover o bem, a preocupação com a
melhora, o avanço, a educação do outro..., pena que não te deixaram cumprir
tudo que planejara, no meio do caminho tinha uma “bala”, como no poema do
Carlos Drummond de Andrade havia uma “bala”, mas ao revés do poema que serviu ao
Drummond como amplitude e argumento a pedra te calou, atravessou as coronárias
colocando por terra um estuário de possibilidade, junto com ele quem poderá
dizer o que mais? Ficamos apenas a conjecturar que se, por aqui estivesses... A
Terra do Meio não seria apenas o lugar que assistiu o teu sangue ser derramado,
por onde as árvores se alimentaram do teu magma e hoje guardam na memória de
suas seivas os teus brancos cabelos.
Cheguei mesmo a visitar-te, agora no túmulo em que te
colocaram entre as árvores. Muitas são as pessoas que duvidam da tua
permanência ali! É assim mesmo, de tão assombrosos alguns fatos se tornam lenda,
mito! Agora promovem julgamentos para o teu retrato, é só o que se pode sob a atmosfera
do entorpecimento, é certo que aqueles que apertaram o gatilho, e não se iluda
não foi apenas um, ou dois, foi todo um município, um estado, um país, esse
mesmo que vêm continuamente apertando o gatilho contra as vozes dissonantes em favor
dos que sequer podem ter voz. Como na canção de James Blunt: Tem crianças paradas aqui, / Braços
estendidos para o céu, / Lágrimas secando nos seus rostos. / Ele esteve aqui. /
Irmãos enterrados em covas rasas, / Pais perdidos sem deixar vestígios. / Uma
nação cega para sua desgraça. / Desde que ele esteve aqui. Leiam Estado! Um
nome que o silêncio e as paredes me repetem.
Por seis meses a tua presença foi muito forte entre as
minhas ideias, não que a abandono agora, enfim posso respirar melhor, me afastando
dos teus restos mortais. Fui paralisada, como todos ali. Como nos enraizamos
dia a dia, num canto do mundo. Anapu é apenas um lugar para onde rumastes assim
como eu, oito, ou nove anos depois da tua involuntária partida, estando ali,
pouco ou quase nada pude fazer, a mesma perpetua bala me calou, a bala da
necessidade de se manter vivo, de sustentar a família, de não ser
inconveniente, de ter medo, de ser pouco, ou quase nada, de não ser louco, de
não ser ridículo, de... de... Quantos argumentos são possíveis retirar do
contexto em que toda a região do Xingu vive hoje? “Lá estávamos nós / Olhando para alguns países pela
janela / E embora tenhamos nossos problemas, ficamos bem / O céu estava azul e
a noite foi tudo que eu queria / Deixe-me ser o seu cometa, eu voarei” Brandon
Flowers, Jacksonville. Tive abrigo,
para além de todas as casas que busquei habitar, foi possível perseguir, isolar
uma essência intima e concreta para o valor singular de nossas imagens comuns.
Voaremos, sempre cotaremos com a onírica
possibilidade de Ícaro, o distanciamento é por fim, mais saudável. Ou ainda, é
tudo que nos resta afogados pela ininterrupta chuva, afinal a mata precisa dos
índices pluviométricos e as hidroelétricas também, mesmo que o recurso da
energia elétrica não seja direito de todos, assim como não é direito de todos
continuarem vivos e gozando de liberdade, observando a chegada das estações, ou
sentindo o orvalho da manhã, o que são trinta anos, se grande parte deles serão
fora do encarceramento? “Agora Cinderela,
não vá dormir / É uma forma azeda de se refugiar / Oh você não sabe, o reinado
está sitiado / E todo mundo precisa de você / há ainda magia no sol da
meia-noite? / ou você deixou isso em 61? / na cadencia dos olhos do jovem homem
/ eu não sonharia tão alto”. Brandon Flowers, A Dustland Fairytale.
Juliete Oliveira
Marabá-Pa, setembro de 2013