sexta-feira, 8 de março de 2013

O que me sussurraram as mulheres do sertão


Ao aportar no nordeste brasileiro, propriamente no sertão em um bioma bem conhecido denominado de caatinga o que para as terminologias ambientais e climáticas é em grande parte semiárido, tive uma relação muito próxima com as mulheres, elas me ensinaram que mesmo, em que pese todo o julgo de ser minoria política a alegria e a autoestima são simbologias fulgurantes em seus espíritos.


Tive a partir dessa convivência uma experiência axiomática, me liguei cartograficamente a esse território, eu desterritorializada que sou. Comparando-se com o que foi pensado até hoje sobre o feminino, tanto pela psicanálise, quanto pela filosofia, veremos que estas duas áreas do saber tentam até hoje desvendar essa figura que fenomenologicamente se coloca à frente do masculino como um mistério. A relação com as árvores sempre visceral / mulheres se ligam inexoravelmente ao vegetal / relações de vizinhança sempre importante / o lugar, meu lugar, minha vida / eu me ligo ao outro pelo que não vejo / o fluxo da memória é tudo o que eu tenho/ Lembranças / a proximidade do outro, agora é separado / o que povoa a vida são os elementos da natureza / sabemos as árvores, todas as árvores pelo nome / a casa, sempre a casa / no meio rural a casa é o que mais importa / as minhas historias se ligam à natureza / o que imagino pode ser a minha verdade, nem sempre a do outro / as historias são breves, objetivas, das mulheres distendidas / As mulheres se derramam, lembram pequenos detalhes / as flores entram na fala / lágrimas fáceis / essa água que mina na cacimba e eu tenho que esperar, o tempo de uma infância / a reza de olhos fechados, a reza do sono no caminho / mulheres tiram uma história da outra, sem perder o fio / homem a palavra difícil. (falas recortadas das mulheres durante o trabalho de campo para a construção da cartografia social do vasto e inesgotável São Francisco, que a todos se oferece, seja de perto ou de longe)

Essa cartografia, eu a chamo pelo nome de amor, um pequeno filete de rio que irriga agora o que sou. Não foram poucas as tentativas de saber o que deseja uma mulher, ou o que ela representa para o mundo masculino. Sabe-se que essas tentativas, muitas vezes vazias, de tentar configurar o desejo feminino, pela via do masculino, podem muito bem construir um feminino que queira somente ser e ter os mesmos preceitos anteriormente  decodificados e impostos pelo  masculino.

Construí um mapa, a minha carta afetiva ficou mais rica, meus tesouros da imanência eu os guardo sob uma pele muito fina, tênue recurso a que lanço mão para amealhar alegrias em dias longos. A proposta de falar de uma identidade feminina, da mulher, e também de seu par opositivo, ou seja, do homem, do masculino, tem como imposição geralmente falar do que define estas duas categorias. E o que nos define? Senão o que nos recorta, poeira estrelar na cumeeira em manhã de abril. Lembrando a Florbela:

Gosto de ti, ó chuva, nos beirados,
Dizendo coisas que ninguém entende!
Da tua cantilena se desprende
Um sonho de magia e de pecados
.

Juliete Oliveira
Imagem: Picasso

Para: Eva, Jeane, Janete, Francinete, Tarsila Estrela, Veza Manuela, Fátima Lucatelli, Rosinete (LoLó), Dorinha, Raquel Acásio, Sandra Letícia, Autalina Martins, Deyse, Miriam Guedes, Ana Paula Guedes, Palmina Guedes, Consuelo Sales, Teresinha, Cristiane Melo, Cristiane Mello, Katyucia  Carvalho, Elianeiva Odíssio, Renata Acásio, Edna Miranda, Wayla Luiza, Marinete, Marinha, Sandra Campos, Eliane do Valle, Mary Veras, Michelle Medeiros, Eliana Pareja, Driele, Helena, Maryana Carvalho, Graziele Reis, Adriana Damaceno, Giovana Lobo, Pati Lucatelli, Ana Maria Cortes, Joana Cabral, Jezebel  Andreoni Lílian Marckezani, Verônica Bittencout, Ana Angélica, Carol Bueto, Rosilene, Marina Gontijo, Emília, Poliana Silva, Lenimara do Vale, Patrícia Lopes, Cassiana Moreira, Celly dos Santos,  Janaina Neide Herculano, Luca Lucatelli ... Tantas outras amigas irmãs.

2 comentários:

  1. A tua cartografia tem as linhas de todos esses rostos, a flor-do-vento dessas vozes, as canções que teu peito abrigou para elas.

    Teu trabalho, tão femininamente humano, fez poço, fez cacimba nesses olhos que te leem como quem toca "uma pele muito fina".

    Um forte abraço a você, Juliete. Mulher que muito admiro.



    Katy.

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  2. Belo texto, Juliete. Grande abraço!

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