Ao aportar no nordeste
brasileiro, propriamente no sertão em um bioma bem conhecido denominado de
caatinga o que para as terminologias ambientais e climáticas é em grande parte
semiárido, tive uma relação muito próxima com as mulheres, elas me ensinaram
que mesmo, em que pese todo o julgo de ser minoria política a alegria e a
autoestima são simbologias fulgurantes em seus espíritos.
Tive a partir dessa
convivência uma experiência axiomática, me liguei cartograficamente a esse
território, eu desterritorializada que sou. Comparando-se com o que foi pensado
até hoje sobre o feminino, tanto pela psicanálise, quanto pela filosofia,
veremos que estas duas áreas do saber tentam até hoje desvendar essa figura que
fenomenologicamente se coloca à frente do masculino como um mistério. A relação
com as árvores sempre visceral / mulheres se ligam inexoravelmente ao vegetal /
relações de vizinhança sempre importante / o lugar, meu lugar, minha vida / eu
me ligo ao outro pelo que não vejo / o fluxo da memória é tudo o que eu tenho/ Lembranças
/ a proximidade do outro, agora é separado / o que povoa a vida são os
elementos da natureza / sabemos as árvores, todas as árvores pelo nome / a casa,
sempre a casa / no meio rural a casa é o que mais importa / as minhas historias
se ligam à natureza / o que imagino pode ser a minha verdade, nem sempre a do
outro / as historias são breves, objetivas, das mulheres distendidas / As
mulheres se derramam, lembram pequenos detalhes / as flores entram na fala / lágrimas
fáceis / essa água que mina na cacimba e eu tenho que esperar, o tempo de uma
infância / a reza de olhos fechados, a reza do sono no caminho / mulheres tiram
uma história da outra, sem perder o fio / homem a palavra difícil. (falas recortadas das mulheres durante o
trabalho de campo para a construção da cartografia social do vasto e
inesgotável São Francisco, que a todos se oferece, seja de perto ou de longe)
Essa cartografia, eu a
chamo pelo nome de amor, um pequeno filete de rio que irriga agora o que sou.
Não foram poucas as tentativas de saber o que deseja uma mulher, ou o que ela
representa para o mundo masculino. Sabe-se que essas tentativas, muitas vezes
vazias, de tentar configurar o desejo feminino, pela via do masculino, podem
muito bem construir um feminino que queira somente ser e ter os mesmos
preceitos anteriormente decodificados e
impostos pelo masculino.
Construí um mapa, a
minha carta afetiva ficou mais rica, meus tesouros da imanência eu os guardo
sob uma pele muito fina, tênue recurso a que lanço mão para amealhar alegrias
em dias longos. A proposta de falar de uma identidade feminina, da mulher, e
também de seu par opositivo, ou seja, do homem, do masculino, tem como imposição
geralmente falar do que define estas duas categorias. E o que nos define? Senão
o que nos recorta, poeira estrelar na cumeeira em manhã de abril. Lembrando a
Florbela:
Gosto
de ti, ó chuva, nos beirados,
Dizendo coisas que ninguém entende!
Da tua cantilena se desprende
Um sonho de magia e de pecados.
Dizendo coisas que ninguém entende!
Da tua cantilena se desprende
Um sonho de magia e de pecados.
Juliete Oliveira
Imagem: Picasso
Para: Eva, Jeane,
Janete, Francinete, Tarsila Estrela, Veza Manuela, Fátima Lucatelli, Rosinete
(LoLó), Dorinha, Raquel Acásio, Sandra Letícia, Autalina Martins, Deyse, Miriam
Guedes, Ana Paula Guedes, Palmina Guedes, Consuelo Sales, Teresinha, Cristiane
Melo, Cristiane Mello, Katyucia Carvalho, Elianeiva Odíssio, Renata Acásio,
Edna Miranda, Wayla Luiza, Marinete, Marinha, Sandra Campos, Eliane do Valle,
Mary Veras, Michelle Medeiros, Eliana Pareja, Driele, Helena, Maryana Carvalho,
Graziele Reis, Adriana Damaceno, Giovana Lobo, Pati Lucatelli, Ana Maria
Cortes, Joana Cabral, Jezebel Andreoni Lílian
Marckezani, Verônica Bittencout, Ana Angélica, Carol Bueto, Rosilene, Marina
Gontijo, Emília, Poliana Silva, Lenimara do Vale, Patrícia Lopes, Cassiana
Moreira, Celly dos Santos, Janaina Neide
Herculano, Luca Lucatelli ... Tantas outras amigas irmãs.
A tua cartografia tem as linhas de todos esses rostos, a flor-do-vento dessas vozes, as canções que teu peito abrigou para elas.
ResponderExcluirTeu trabalho, tão femininamente humano, fez poço, fez cacimba nesses olhos que te leem como quem toca "uma pele muito fina".
Um forte abraço a você, Juliete. Mulher que muito admiro.
Katy.
Belo texto, Juliete. Grande abraço!
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