É com assombro que leio a recente
declaração do analista Juan Carlos Monedero, ex-conselheiro do presidente Hugo
Chaves: “a salvação do planeta está na América Latina”. Carta Maior, Sábado, 07 de Julho de 2012.
Muito mais do que uma constatação
isso nos remete a uma sentença. Como assim? Novamente teremos, “nós os latinos
americanos” que salvar algo? Sendo que sequer nos recuperamos de ter salvo
vários países europeus via mercantilismo – mesmo tendo se passado alguns
séculos, vivemos ainda à sombra da hecatombe que provocou o desaparecimento de
nações inteiras e gerou a cultura escravocrata da qual não conseguimos nos
livrar, sem falar no aniquilamento da possibilidade de se conhecer e fortalecer
as culturas eliminada.
O argumento de Monedero se ancora na
impossibilidade da Europa, frente aos problemas financeiros e sociais iniciados
na última década, no desinteresse da China e incapacidade total da África, por
razões que nem precisam ser citadas. “A sociedade pode executar as suas
próprias ordens, e executa-as de fato: e se emite ordens incorretas em vez de
corretas, ou se emite ordens em relações e assuntos em que não devia interferir,
exerce uma tirania social mais alarmante do que muitos tipos de opressão
política, dado que deixa menos meios de escapar”. John Stuart Mill. E mesmo que
estas não sejam impostas através de punições extremas, podem penetrar muito
mais profundamente nos pormenores da vida, escravizando a alma.
O que a América Latina, tem a
oferecer nesse momento para a voracidade do mercado que se quer verde?
Poderemos agora mesmo está sendo cooptados por um discurso encantador e nos
deixando comprar pelo discurso uníssono, sem perceber que isso pode ser uma espécie
de “tirania da maioria”. Ora, se a China pode se dar o luxo de ligar o botão do
“F”, sendo ela uma das nações que mais atola o mundo com bugigangas muitas
delas desnecessárias, produzidas sem levar em consideração o impacto gerado na
extração de matéria prima; se a Europa mais uma vez vai levantar a sua cabeça e
se manter acima da situação, ditando regras, as quais ela não se inclui como
parte arrolada no cumprimento; se os Estados Unidos se mantêm como aquele a
qual todo o resto do mundo deve prestar contas, devendo sempre ser servido. O
que tem mais uma vez a América Latina com isso?
Sendo que, no que pese a aparente
resolução de problemas relativos à democracia – neoliberal é verdade. Essa
parte do continente ainda regurgita problemas primários que tendem cada vez mais
eliminar parcelas da sociedade. “Sem uma crítica da racionalidade ocidental
dominante pelo menos nos últimos duzentos anos, todas as propostas apresentadas
pela nova análise social, por mais alternativas que se julguem, tenderão a
reproduzir o mesmo efeito de ocultação e descrédito.” Boaventura de Sousa
Santos.
E é exatamente o que se reproduz hoje
em matéria de pensamento político, sob o folheado de esquerda que assumiu a
América Latina, na visão dele ela traduz hoje um exemplo de modernidade a ser
seguindo justamente pelo enfraquecimento disfarçado do capitalismo, sem
esquecer é claro o camaleão que este é. Devemos passar a vista nas diferentes
configurações nacionais de composição desta América Latina: Brasil desponta
como um dos mais promissores mercados e galgou o lugar de a 6ª. economia do
mundo, internamente apresenta números lastimáveis para saúde e educação, no
quesito distribuição de renda se compara aos mais paupérrimos do planeta;
Argentina vem se arrastando nas últimas décadas para conseguir se reerguer de
um período nebuloso que alternou militarismos e neoliberalismo que aterraram o
país minando quase que completamente as chances de colocar nos eixos novamente
a economia interna dos hermanos; Cuba talvez hoje a maior expressão dos equívocos
do comunismo como sistema de governo, claro que não exclusivamente pela atuação
do povo cubano e sim pela exclusão propiciada pelo resto mundo a esse país que
escolheu peitar o vizinho rico e poderoso; Bolívia se consome nas próprias
questões étnicas, as quais não tem conseguido resolver mesmo diante da boa
vontade de grande parte do continente após a eleição de Evo Molares; Colômbia e
o seu escancaramento que permite que uma das pernas do país esteja sob o jugo
Norte Americano e a outra ainda entregue aos narcostraficantes e às guerrilhas marxistas-leninistas das Farc; Peru do
presente é determinado por sua condição histórica periférica (dependências de
investimentos estrangeiros e rigidez de recursos) agravada pela não
incorporação de parte considerável da população indígena à política e ao
próprio Estado. Chile, uma nação que tem Fujimori na sua história não se
recupera fácil dessa presença, talvez seja o que mais padeceu durante o regime
militar e ainda hoje tenta se reerguer dos escombros e enterrar os fantasmas do
período. Os demais países nem é necessário citar, tamanha é a dificuldade que
encontram para se manterem como nação soberana e minimamente cumprirem os seus
deveres como estado.
É esse o cenário que se desenha como
o salvador do planeta! Há uma América
Latina plural, diversa e que nunca poderá se manter em bloco com uma política
hegemônica e planificada, há uma América Latina com problemas sociais bem próximos
aos da África – exclusão social, políticas públicas equivocadas, privilégio de
grupos (minorias), sem saneamento básico, e há uma América Latina rica em
recursos naturais renováveis ou não, minérios, água, sol, florestas, culturas e
todo um mosaico de encher os olhos de países velhos, cansados, exploradíssimos e
com o olho comprido lá onde o novo é possível. Essa América Latina pode até ser o elemento
considerado como salvaguarda do mundo, contudo corre o imenso risco de não
salvar nem a si mesmo!
Juliete Oliveira
Belém-PA, 08 de julho de 2012