As visões de Joana
Joana Cabral em seu recém lançado “Fragmentos do Desencontro” toca a face da verdade material, ainda há pouco vista e comentada, provada, querida por milhões de apostadores da mega sena da virada. Especificamente no conto “banquete vazio” que abre o livro, o protagonista é tomado pelo prazer ao descobrir-se diante de uma vultosa soma de dinheiro, a princípio sem dono.
Uma incipiente pontinha de receio ao se apossar de algo para o qual não precisou fazer nenhum esforço, só ensaia vir a baile entre os sentimentos experimentados por ele, que logo se acostuma à sensação de que é o feliz proprietário de algumas centenas de notas novinhas que poderão comprar uma série de coisas. Nietzsche pôs fim à coexistência pacífica entre verdade e valor, concebida por F. A. Lange. Colocando o valor a disposição da verdade, enquanto Lange queria salvar os valores do ataque das verdades, em Nietzsche contrariamente, as verdades são engolidas pelo vitalismo das valorações. Então a verdade será apenas a ilusão na qual nos sentimos bem e que nos serve.
Valor é o que Joana escreve sem escrever, é o que busca questionar, apontar? Ora, se de repente, vivêssemos em uma sociedade em que ninguém precisasse fazer nenhum esforço, para conseguir recursos financeiros, como seria possível dar o próximo passo? Quem abasteceria o caixa eletrônico? Quem plantaria no campo o café para que pudéssemos, todos sem exceção, tomar o expresso? Ou ainda quem escreveria ficções para o nosso deleite?
Quando Kafka escreve em seu conto, “um artista da fome”, que nas últimas décadas o interesse por esse tipo de espetáculo arrefeceu bastante, ele o usa para uma ótica da mudança na sociedade. A humanidade se assombra e se admira muito com aquilo que lhe é mais inerente, a fome quando esteve mais perto, mais ameaçadora se fez espetacular. Observar os efeitos dela no outro, como em um tubo de ensaio foi por muito tempo prazeroso, pela possibilidade de que viesse a ser experimentada por mim.
Ainda no conto de Kafka quando o último artista da fome morre por não existir mais nenhum alimento que lhe seja bom ao paladar, ele é substituído por uma pantera, mais uma vez o escritor tcheco se antecipa na visão, na cosmovisão: oferece uma prévia do que veríamos nas décadas posteriores - a natureza como espetáculo, aprisionada para o deleite. Hoje refutamos esses hábitos queremos reservas para abrigar elefante, leões, micos e araras raras.
Joana nos expõe ao que todos queremos, uma vez que na verdade o ideal é apenas um ídolo, reluz no brilho fácil do ouro falso. E para que serviria, pois a literatura?
Juliete Oliveira
Salgueiro-PE, 10 de janeiro de 2010
Juliete,
ResponderExcluirmeu porto seguro é a literatura, é o lugar onde tento me expressar, onde consigo digerir meus constantes embates com o mundo do consumo, com o vórtice de valores materiais ou não em que somos jogados a cada dia incansavelmente pelas mídias e afins...
Admiro pessoas que, como você, tem essa facilidade de colocar no papel, contextualizando e fazendo todas as conexões possíveis com a literatura e as gentes merecedoras de seu afeto...
Obrigada por se debruçar sobre minha narrativa e por ter generosamente divulgado!
Gostei demais e estou absolutamente impactada.
Divulgarei, claro, em meu site particular!
Beijos
Joana Cabral
Sou apaixonada pelos contos da escritora Joana Cabral. Eles mexem com nossos sentimentos de maneira inexplicável.
ResponderExcluirParabéns!
Joana,
ResponderExcluirEu acertei? É essa a sua trilha, senti um gostinho de vida simples, de vida nos seus contos, é a arte de viver com pouco!
Mitigar impactos é minha praia!
Beijos