Abissal
O Estado do Pará reúne em seu território grandezas excludentes. Uma das maiores riquezas do mundo em minério e, por fazer parte da Amazônia, ainda a espantosa diversidade biológica, e possivelmente a mais bela capital da região e um acervo histórico áureo. Na outra vertente, entre calmaria e indiferença, maior índice de concentração de renda, analfabetismo crescente, pobreza vertiginosa e criminalidade, vergonhosos números de prostituição infantil, tudo perfazendo uma projeção de futuro digna dos cenários mais sórdidos da terra.
O discípulo de Parmênides, Zenão, demonstra – em um de seus diálogos – que se um “múltiplo” existisse, ele teria de ser constituído de infinitas pequenezas, o que, por consequência, resultaria em um extremamente grande, pois consistiria em infinitas pequenezas. Assim também se convertem os números do Pará. O total de meninas/meninos entregues ao universo numérico da estatística da prostituição e marginalidade é composto por infinitas pequenezas cotidianas, adquiridas via a sucessão histórica de abandono e descaso de um estado omisso e que promove a morte em lugar da vida. Sartre em sua incomensurável clareza de visão argumentou algo que se tornou, já até, meio vulgar: “a pior coisa do mundo é nos acostumarmos a ele”.
É esse o grande feito dos meios de comunicação de “massa” para o povo brasileiro, fazer com que nos acostumemos com o mundo. Pode-lhes soar lugar comum argumentar isso, agora. Contudo, somos incitados pela recente transmissão do pretensioso “Jornal Nacional”, transmitido direto da Cidade de Jacundá, no Estado do Pará. O que lhes pareceu aquilo? Será que essa iniciativa vai render mais um prêmio jornalístico à mega emissora de televisão? Quem de nós se perguntou quais são os reais objetivos da rede com a sua marcopoliana viagem pelo país que eles laconicamente dizem não conhecer?
Alguns de nós, até se perguntaram, sei. Mas, quantos de nós em nossa pequenez fomos capazes de usar os números apresentados ali, para algo que não seja escrever um texto para um blog?
O múltiplo pensado por Parmênides até existe, contudo é uma diversidade dantesca, feia, aterrorizante que empurra a juventude, sobretudo a do sul do Pará, para o desperdício de sua potência e energia. A vida como condutora dos prazeres, micropolíticas, cartografias desejantes, em que a ordem e o mesmo do gênero e da identidade, pensados por Felix Guattari, é um processo suspenso, delegado ao improvável. Cada vez mais e ad infinitun inalcançável pelos “cidadãos” de Jacundá. As meninas que hoje emprestam sua tenra carne ao saciamento do prazer do outro, por alguns trocados, ou prato de comida, serão, logo mais, mães a não ter o que deixar a seus filhos a não ser a trágica experiência e as falhas de um Édipo familiar que teima em passar bem.
E em face do que não podemos “sozinhos” solucionar, caímos no conformismo e lançamos tudo na conta do destino. A Rede Globo agindo como consciência e última fronteira das nossas tristezas. Até quando a audiência se multiplicará em um fracasso mais profundo? E do fracasso aparente fazer dar um passo à frente?
Juliete Oliveira
É... infelizmente fazemos parte de uma geração aculturada, acostumada a consumir consciência pré-fabricada, conhecimento fácilo, à base do "copiar-colar" e com resposta pronta para qualquer forma de provocação: "não sei... sempre foi assim..."
ResponderExcluirResultado: músculos cerebrais atrofiados, filhos limitados, perspectiva de vida fútil (para a maioria) e de um país jogado de cabeça para baixo, cavando mais um pouquinho o fundo do poço.
Neila