Belo Monte ou um mau poema de primavera
Ubiratan Cazetta milita no grupo dos que organizam o pessimismo, não o pessimismo descomprometido, mero desleixo com o coletivo, mas o contrário ao “grosseiro otimismo” dos que avançam solícitos rumo ao capital, aqueles que se agarram a uma época de nulidades e desventuras, no entanto, uma época de “compromissos”. Cazetta não se deixa inspirar pela ideologia do progresso linear, descobre no pessimismo um ponto de convergência efetiva para a proteção dos direitos difusos, em aliança com o pessimismo ativo, organizado, prático, inteiramente dedicado a impedir a chegada do pior.
É deste tipo de pessimista que o Brasil precisa, sobretudo o norte, a região amazônica - que se manifesta de maneira imediata mcontra os empreendimentos mal arquitetados pelos cérebros monstruosamente diminuídos, capazes de esquecer centenas de milhares de anos de história da técnica de hidrologia como ciência; capazes de minimizar todos os avanços da antropologia enquanto estudo no último século; que lançam por terra a tão bem elaborada Constituição Brasileira e as suas determinações do Estado Democrático e de Direito em nome da geração de alguns kilowatts de energia.
Que a organização do pessimismo impretada por tantas instituições, ainda que exaustas pela sucessão implacável dos "decisivos" fatos políticos, sigam combatendo o cortejo "triunfal" dos senhores de hoje sobre o corpo dos vencidos – índios, mulheres, negros, pequenos agricultores familiares, periferia dos pequenos municípios – e coloque fim à cegueira revestida de otimismo que estabelece um “estado de exceção" – grafado como tem que ser – para os direitos civis.
Cazetta sabe que a mudança de cenário físico se torna uma tormenta individual, além de coletiva, e que a relação entre vida e ambiente rui: o ambiente já não constitui mais uma referência estável para o destino variável das pessoas - desfaz-se com mais velocidade do que as lembranças e os hábitos, exigindo das pessoas um contínuo esforço de adaptação. Belo Monte representa a morte para uma série de espécies de fauna e flora, para uma representação geográfica única, e, talvez o mais absurdamente insuportável: para costumes e culturas de modus vivendi jamais apreendida pelo resto do país e do mundo.
Walter Benjamim rejeitou o culto moderno à Deusa Progresso, colocando no cerne da sua discussão filosófica o conceito de "catástrofe", sendo esta o contínuo da história, símile e antítese de progresso.
Juliete Oliveira
Ubiratan Cazetta é procurador da República pelo Pará e um dos principais defensores dos direitos humanos naquele Estado. Teve a grandeza de espírito de entrar com uma ação contra a liberação da Licença de Instalação da Hidrelétrica de Belo Monte no rio Xingú, por detectar no processo inúmeras irregularidades e por entender que a energia elétrica gerada ali não justifica a quantidade de energia natural que será ceifada daquele ambiente.
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